As trufas brancas de Alba têm fama de ser as melhores do mundo, mas ninguém sabe ao certo onde colher as próximas. Por isso custam uma fortuna e atraem carradas de turistas a esta pitoresca região do noroeste de Itália. O Outono é a época alta, coincidindo com a colheita dos preciosos cogumelos. Luís Maio

Convém que não chova muito no Verão, nem que a seca estival seja demasiado severa. O terreno pode chegar até à cota dos 700 metros de altitude, mas melhores do que as colinas são os vales que ficam pelo meio, porque são mais abrigados. A direcção dos terrenos não é decisiva, embora aqueles que estão voltados a norte e noroeste resultem melhor. Ideal é que a área arborizada seja esparsa e ocupe até 50%, com poucos arbustos e uma mancha de prado entre os 20 e os 70%.

Este é o guião geomorfológico e ambiental, o horizonte de possibilidades da geração espontânea de trufas brancas. Uma delícia secular hoje muito desejada e inflacionada ao ponto de se converter num dos alimentos mais caros - talvez mesmo o mais caro- do mundo. O sítio que melhor corresponde às suas coordenadas, ou seja o habitat por excelência desse manjar dos deuses são Langhe e Monferrato, subprovíncias da região do Piemonte, no Noroeste de Itália. A temporada trufa branca (Setembro a Janeiro) por estas paragens é numa verdadeira corrida ao ouro, mas também uma esplendida festa. É agora.

Trufas para Pavarotti

Localmente conhecida como Alba Madonna ou Trufa D"Alba, a trufa branca responde pela designação científica de Tuber Magnatum. É um fungo subterrâneo, que cresce em simbiose com carvalhos e outras árvores como os choupos e as nogueiras, comuns no Piemonte. Cruzes de traçado caprichoso e mais fissuras no terreno, ou ainda a presença de determinados insectos são indícios da sua presença, procurados pelos caçadores de trufas (os trifolao) e respectivos cães, especialmente treinados para o efeito. O miolo deste "manjar de reis" é creme ou castanho com pele branca, oferecendo uma gama de sabores que vão do alho ao mel, passando naturalmente pelo cogumelo.

A celebridade da trufa branca remonta ao tempo dos romanos, que lhes atribuíam qualidades afrodisíacas. Talvez por isso, a Idade Média passou a suspeitar do singular cogumelo, que então ganhou reputação de ser venenoso. Depois, no entanto, a aristocracia reabilitou-o como rara iguaria, fama que ultrapassou fronteiras já no século XX, sobretudo graças ao notável marketing da loja de Giacomo Morra, na cidade de Alba. Morra promoveu as primeiras feiras da especialidade nos anos 1930 e depois, na década de 1950, ganhou o hábito de enviar os exemplares mais proeminentes a celebridades planetárias, de estadistas como Churchill e Kennedy a artistas como Sophia Loren e Luciano Pavarotti.

A fama e o apetite foram crescendo, levando as trufas brancas a ganharem preços exorbitantes, tabela sobretudo inflacionada em anos de verões chuvosos e fracas colheitas. Até que Stanley Ho estabeleceu um recorde quando, em 2007, pagou cerca de 300 mil euros por um espécime raro, encontrado perto de Pisa, que tinha um quilo e meio. No ano seguinte o mesmo magnata dos casinos pagaria a mesma quantia, mas por um par de trufas brancas, pesando cerca de um quilo. No Piemonte essas cifras estão ainda por alcançar, mas as trufas brancas de Alba são consideradas as mais aromáticas e delicadas de Itália. Por isso os preços usualmente praticados nos seus mercados e lojas gourmet são mais próprios a adereços de luxo do que a mercearias finas.

Uma vez colhida nos bosques, a trufa branca deve ser comida em três dias. No frigorífico, envolta em papel poroso, aguenta no máximo 15 dias até ficar mole e deixar de ser comestível. É, portanto, um luxo instantâneo, uma preciosidade efémera quer terá por clientela provável gente com mais zeros na conta bancária. Outra maneira de dizer que a trufa branca tem tanto de iguaria como de símbolo de exclusividade.

À semelhança do que acontece com outros objectos de poder, no entanto, este fungo subterrâneo atraia milhares à região que o comercializa, sendo o principal íman turístico das subprovíncias de Langhe e Monferrrato. Como nós, esses turistas podem passar umas férias inteiras a contemplar vitrines decoradas com trufas brancas, mas acabar por sair do Piemonte a falar delas, sem realmente as ter provado - nesse aspecto, portanto, as Alba Madonna não se distinguem das obras de arte.

Burros e leilões

A maior parte irá menos para degustar trufas brancas do que para disfrutar da animação promovida no auge da colheita. É um longo cartaz de eventos, que decorre entre meados de Setembro (este ano começaram dia 16) e a primeira semana de Dezembro, nas cidades de Alba e satélites, particularmente animadas aos fins-de-semana. A tónica é naturalmente colocada nas feiras e provas de trufas, vinhos e mais delícias gastronómicas do Piemonte. Pelo meio há desde jogos de pelota a procissões medievais e concursos de elegância, passando por coisas mais insólitas como uma mostra de produtos cultivados nas prisões e em terrenos da mafia (a 2 de Outubro).

Um dos eventos mais populares é a Corrida de Burros (Palio degli Asini), que põe em despique os bairros de Alba e goza com as corridas de cavalos tradicionais, sobretudo com a da vizinha Asti. O ponto mais alto do programa é, no entanto, o Leilão Mundial da Trufa Branca, que ocorre desde 1999 na Enoteca Regional Piemontesa Cavour, com sede no Castelo de Grinzane. Acontece em meados de Novembro e é acompanhado via satélite em algumas das cidades mais ricas do mundo (Paris, Moscovo, Hong Kong). O leilão processa-se por lotes e tem finalidades beneméritas, tendo atingido a cifra recorde de 227.200 euros, pagos no ano passado por um lote de 12 trufas.

É inevitável falar de trufas brancas a propósito de Alba, mas isso está longe de significar que tudo em volta sejam bosques e florestas. Há manchas arbóreas junto de cursos de água e barrancos, nas ladeiras mais íngremes e a dividir propriedades, mas grandes talhadas desta região da ponta noroeste de Itália são também ocupadas com pomares e vinhas, fazendo com que a paisagem se assemelhe a uma manta de retalhos geometricamente tricotados.

Outro ex-libris e chamariz turístico da região, os vinhos são todos filhos da mesma cepa, as uvas Nebbiolo. Divergem, porém, consoante o pedaço de terra onde são plantadas: o Barolo e o Barbaresco vêm da margem esquerda do rio Tanaro, o Roero procede da margem oposta. O mais célebre (e caro) é o Barolo, um tinto produzido a meia dúzia de quilómetros de Alba, apreciado pela grande variedade de nuances e aromas, por muitos considerados o melhor vinho italiano. Famoso é igualmente o Asti, o mais popular espumante italiano, produzido em torno da cidade do mesmo nome, 30km a norte de Alba.

Numa paisagem essencialmente agrícola, as povoações cresceram sobretudo no alto das colinas. São em geral aldeias emolduradas por grossas muralhas e coroadas por sólidas torres de menagem, que conservam uma escala e uma fisionomia de outros tempos, o que não deixa de ser surpreendente. O principal atractivo das mais emblemáticas como Grinzane Cavour, Barolo ou Castiglione Falletto é a presença de enotecas e restaurantes de referência, mais frequentemente implantados em antigas abadias e castelos esplendidos. Para além disso, porém, o património construído é relativamente modesto, inclusive nas principais cidades da região.

Em Alba há um Duomo que data do século XII, mas foi na maior parte reconstituído à moda do século XIX, e a simpática igreja gótica de San Domenico, hoje empregue para concertos e exposições. De resto, porém, Alba são duas ruas, a Cavour e a Vittorio Emanuele II, que se cruzam na praça da catedral, carregadas de lojas com um batalhão de especialidades locais, desde trufas a vinhos, passando por chocolates, nozes, mel, queijo toma (primo do francês tomme) e pasta tajarin (pasta de ovo, um dos acompanhamentos clássicos das trufas brancas). Ver as montras é, portanto, uma distracção maior em Alba e tem por corolário tomar o aperitivo ou mesmo uma refeição completa num dos estabelecimentos de comes e bebes sob os arcos da muito fotogénica Praça Savona.

Em Asti ainda há menos para ver, ou pouco mais que a antiga rua principal de Corso Alfieri. Em compensação, a capital do espumante é animada pela mais antiga corrida de cavalos de Itália (a primeira notícia é de 1275), que envolve milhares de figurantes em roupas medievais. Menos conhecida e majestosa, funciona como uma boa opção às enchentes do Palio de Sienna. Ocorre em meados de Setembro (este ano de 16 a 18) e é outro ponto alto das festas da trufa branca.

A Fugas viajou a convite da TAP, da Enit - Agenzia Nazionale del Turismo, da Regione Piemonte e de Atl Langhe e Roero