GNR acusada de "torturar" ciganos detidos numa rusga em Vila Verde
Entre as quase 30 pessoas que compõem esta comunidade há várias marcas visíveis: olhos roxos, escoriações nos membros, arranhões nas costas e marcas de tiros de balas de borracha no tronco. Ao início da noite de segunda-feira, a GNR entrou no acampamento com "uma brutalidade nada habitual", conta Luís Ferreira, um dos assistentes sociais que trabalham junto daquela comunidade ao abrigo do programa Escolhas. Usaram de uma "violência extrema" e detiveram seis elementos.
Dizem que o pior veio depois. Enquanto os homens detidos estiveram nas instalações da GNR de Amares, terão sido "torturados". A acusação é feita pelas vítimas, pelo assistente social e por elementos da SOS Racismo que ontem estiveram no acampamento a documentar o sucedido. "Já assistimos a confrontos na sequência de uma ordem de despejo ou em buscas, mas assim nunca vimos", afirma Marta Pereira, uma das técnicas da ONG. Por isso, a SOS Racismo promete avançar com uma queixa contra a GNR, exemplo que será seguido pela comunidade cigana.
A queixa refere-se à forma como os militares entraram no bairro, mas também à violência a que terão sujeitado os seis detidos. Dentro da esquadra, os homens terão sido "molhados com mangueiras e depois torturados com descargas de tasers (armas de choques eléctricos) e há relatos de waterboarding (simulações de afogamento). "A um enfiaram um ferro pela garganta abaixo", asseguram Luís Ferreira e uma colega.
"Só queriam fazer pouco de nós", diz um dos detidos. "[Os militares] não faziam perguntas, só queriam gozar. Mandavam-me contar os números em inglês e eu não sei. A outro obrigaram a cantar Gypsy Kings. Como não fazíamos, levámos porrada."
GNR rejeita acusaçõesAs acusações de tortura "não fazem qualquer tipo de sentido", garante Fernando Cosme, da GNR de Braga. A mesma fonte assegura que os homens detidos na operação "não foram interrogados", tendo apenas permanecido nas instalações da GNR enquanto esperavam para ser ouvidos por um juiz de instrução. Quanto ao uso da força durante a rusga, é justificado pela "resistência aquando da detenção", afirma.
A rusga da GNR em Cabanelas teve por base vários inquéritos por crimes de furto e roubo ocorridos na região. Das buscas resultou a detenção de "seis indivíduos de etnia cigana, com idades compreendidas entre os 17 e 38 anos de idade", informa um comunicado da GNR de Braga, todos suspeitos de "posse de arma proibida, resistência e coacção e posse de artigos resultantes dos furtos".
Depois de ouvidos em tribunal, quase todos os detidos regressaram ao acampamento, excepto um homem, de 36 anos, sobre o qual pendida um mandado de captura desde 2007, por não ter regressado ao Estabelecimento Prisional Pinheiro da Cruz após uma saída precária.
As buscas foram feitas tendo por base "três mandados de busca domiciliária", garante a GNR. No acampamento, foram apreendidos, ainda de acordo com as autoridades, um carro de gama alta, duas armas de fogo, material proveniente de furtos, como computadores, máquinas fotográficas, telemóveis e artigos em ouro, e 1200 euros em dinheiro.
"Nem um documento mostrado", garante o pastor evangélico Jesus Montoia, que nos últimos dias tem prestado apoio à comunidade. "Se houvesse mandado, os agentes teriam que o ter deixado aqui", reforça Pedro Ferreira, da SOS Racismo.
Esta é uma comunidade cigana que vive em difíceis condições e "muito desestruturada", segundo os assistentes sociais. Muitos dos que aqui vivem são filhos e familiares de João Garcia, o líder da comunidade de Oleiros que, em 1996, foi expulsa por milícias populares daquela localidade, e defendida pelo então governador Civil de Braga, Pedro Bacelar Vasconcelos. A história deixou marcas nestas famílias, que agora vivem na vizinha freguesia de Prado. E também lhes levou o líder, João Garcia, que foi viver para Espanha.