“Espero um Benfica forte mas pressionado pelo último resultado”
Terminei a carreira aos 32 anos, devido a lesões e à falta de motivação para jogar. A primeira oportunidade para começar a carreira de treinador foi nos juniores do Estrela da Amadora. Fui para a III Divisão, mas comecei a ganhar visibilidade no Pinhalnovense, da II Divisão, ao chegar dois anos aos quartos-de-final da Taça de Portugal. Na época passada, no Aves, fiz uma boa época na Liga de Honra. O Paços, no escalão máximo, é o cumprir de parte de um sonho. Estou num clube que me oferece estabilidade e quero provar aqui o meu valor, para um dia, quem sabe, trabalhar numa equipa que lute pelo título.
Percebe-se a verdadeira essência, as dificuldades do futebol nacional. E ganha-se uma grande experiência. Fiquei com a certeza de que não temos necessidade de importar tantos jogadores de valor duvidoso. Há jovens que mereciam uma oportunidade a nível da Liga. Esse processo já começou e, até pela realidade económica do país, vai-se acentuar.
É verdade que só é treinador por causa de Jorge Jesus?
O meu gosto pelo treino começou quando ele foi treinar o Estrela da Amadora. A forma de ele trabalhar deu-me gosto por uma área que nunca me tinha aliciado. Comecei a ver o treino, a estratégia, a preparação das partidas com enorme interesse. Fazia-nos pensar o jogo de uma forma diferente. Jesus inovava sempre no treino e no jogo.
É o seu mentor?
Aprendi imenso. Não quero ser uma cópia. Mas continuo a acompanhar a carreira dele, até porque há muito tempo que não via o Benfica de forma tão entusiasmante. É um treinador moderno, acompanhando sempre a evolução da modalidade. Está muito à frente da maior parte dos técnicos em aspectos tácticos. Tenho a certeza de que brilharia em qualquer Liga estrangeira.
Como define o futebol das equipas que treina?
São de vocação ofensiva e procuram oferecer espectáculo. Têm rigor defensivo, mas também um enorme gosto pela posse de bola e por jogar no meio-campo adversário. Entramos em qualquer campo para ganhar, com um sistema táctico que varia entre o 4x3x3 e o 4x4x2. Mas prefiro o 4x3x3. Parece-me aquele que dá mais equilíbrio, uma ocupação mais racional do espaço. E oferece uma forte dinâmica ofensiva.
Acreditava que podia estar agora no quarto lugar?
Não acho que tenhamos feito algo de extraordinário. Poderíamos ter feito mais, embora o nosso único objectivo seja a manutenção. O empate em casa com o Moreirense não nos afectou. Depois, do Estoril só trouxemos um ponto, mas merecíamos mais. Mas notei que a equipa estava a evoluir e apareceu vitória sobre o Braga. Foi um resultado que nos deu tranquilidade e moral. A reacção frente ao Nacional mostrou isso mesmo.
O facto de quase manter a estrutura do plantel do seu antecessor também ajudou...
Foi uma vantagem enorme. Além disso, chegaram reforços que ajudam a dar continuidade ao excelente trabalho de Henrique Calisto. O Antunes é um exemplo. Tem sido exemplar. A passagem por Itália deixa os jogadores muito mais ricos em termos tácticos. Tem sido um elemento importante. Temos um bom grupo, num clube que tem o que pode e cumpre religiosamente os compromissos, apesar da crise que até nos deixou sem publicidade nas camisolas.
Mas Antunes foi expulso e não tem lateral esquerdo para defrontar o Benfica.
É verdade. Mas tenho confiança em quem o irá substituir. Tenho um grupo muito competente.
O Benfica vem de um empate e perdeu quatro pontos na Liga. Isso significa alguma coisa?
Não espero um Benfica fragilizado, mas forte. Mas também pressionado pelo último resultado. Se fosse treinador do Benfica, sabia que tinha de ganhar em Paços. Estão sob pressão. E nós vamos fazer tudo para ganhar.
As saídas de Witsel e Javi García facilitam a tarefa do Paços?
Com Witsel e Javi García o Benfica seria um adversário mais forte. É claro que prefiro que não joguem. Jesus irá colmatar esse problema, mas nunca é fácil numa equipa recompor rapidamente as dinâmicas e entrosamentos que já estavam adquiridos há algum tempo com esses dois jogadores. É necessário um período de adaptação. Qualquer treinador e equipa se ressentem. Agora resta-nos contornar os pontos fortes deles, tirar proveito dos mais frágeis e conseguir um resultado positivo.
Não lamenta a saída desses jogadores e de Hulk?
Claro. Essas transferências deixam a Liga desportivamente mais pobre. Mas vão aparecer outros. O FC Porto não tem o Hulk, mas tem, por exemplo, o James que brilhou no último jogo. No Benfica será o mesmo. Os nossos clubes têm de ser exportadores para se salvaguardarem.
A saída de algumas estrelas não contribui para a redução do número de espectadores? No Académica-Benfica estavam cerca de 8000 pessoas.
Os responsáveis pelo futebol português têm de tomar medidas se querem resguardar o futuro. Têm de perceber que os bilhetes estão caros para um país em crise. Mas, mais importante, é a necessidade de transmitir a paixão do futebol aos mais jovens. Fazer campanhas nas escolas, oferecer bilhetes, vantagens... São esses jovens que no futuro podem vir a encher os estádios.
É um jovem treinador numa Liga com seis técnicos abaixo dos 40 anos. O que é que isso significa?
A aposta em tantos jovens só vem mostrar que os treinadores portugueses, independetemente da idade, têm muito talento. Mourinho foi o detonador. Colocou os olhos do mundo do futebol nos treinadores portugueses. É a nossa bandeira. O seu talento conseguiu uma visibilidade impensável para Portugal. E abriu a porta do mundo.