Cortes de água por dívidas regressam em força ao bairro portuense de Aldoar
Associação de moradores do bairro alerta que, em apenas dois dias, foi cortada a água em "dezenas" de habitações
De repente, foi como se o Bairro de Aldoar, no Porto, tivesse regressado a Janeiro de 2009. Piquetes de funcionários das Águas do Porto (AP), acompanhados da polícia, estiveram no bairro durante dois dias e cortaram a água em várias habitações. O motivo era o mesmo: dívidas por ausência continuada de pagamento. A situação económica de muitos dos afectados é que está hoje bem pior, garante a presidente da Associação de Moradores de Aldoar, Esmeralda Mateus.
Terça e quarta-feira foram dias agitados no Bairro do Aldoar. À semelhança do que já tinha acontecido noutros locais da cidade, a empresa municipal procedeu ao corte de água em várias habitações. Esmeralda diz que foram "dezenas". O trabalho foi facilitado pelo facto de as obras ali realizadas terem deixado as ligações à vista, no exterior das habitações. Uma parte da tubagem foi retirada e já não havia água a correr nos canos. "São muitas pessoas, muitas pessoas em todos os blocos. Estão bastantes pessoas sem água. Quem pode vai pagar. Com os outros não sei como vai ser, porque as pessoas não têm mesmo dinheiro", diz Esmeralda.
É o caso de Patrícia. Desempregada, tal como o marido, e com três filhos menores, viu o rendimento social de inserção (RSI) baixar, este ano, de 560 euros para menos de 340. Não paga água "há cerca de seis meses". A factura da luz também chega e fica sem resposta, num canto da casa e até a renda de 10,90 euros está em dívida. Sabe que pode ter uma ordem de despejo, mas garante: "O dinheiro, quando chega, já está todo destinado. Não tenho como resolver o problema."
O problema de Patrícia é o mesmo que está a afectar várias pessoas no bairro, explica Esmeralda Mateus: "Como o dinheiro que recebem não chega nem para comer, acabam por pedir dinheiro a pessoas que emprestam a juros altíssimos e que não lhes largam a porta enquanto não pagam."
O PÚBLICO questionou a AP sobre o número de cortes realizados, mas a empresa não precisou os números, referindo apenas que "as acções de corte ocorrem todos os dias, em toda a cidade". Em resposta escrita, a assessoria de imprensa da AP defende que "não pode ser tolerado o total incumprimento" no pagamento e afirma: "Do ponto de vista social e pensando em quem tem efectivamente rendimentos muito reduzidos, o RSI destina-se justamente a ajudar as pessoas a fazer face às suas primeiras necessidades, entre as quais está, obviamente a água."
Esmeralda tem uma resposta para isto: "Como, se não têm que dar de comer aos filhos?" Patrícia já não estranha a rotina rapidamente criada de ir buscar água a uma fonte fora do bairro, como se fosse normal. "Afinal dantes também se aquecia água no fogão para o banho, não é?" Na casa onde Rui, 22 anos, vive com sete irmãos menores e a mãe, a falta de água foi compensada com a ajuda da vizinha. "São mesmo necessitados, precisavam de ajuda", diz ela, espreitando na soleira da porta.
O que indignou Esmeralda foi que os moradores que se deslocaram à AP regressaram com a resposta de que a empresa só aceitava restabelecer as ligações se fosse paga 10% da dívida. "Como é que podem? Pessoas que devem três mil euros e têm rendimentos de 220 onde vão buscar 300 euros?" Ontem, acompanhada de alguns moradores, Esmeralda esteve na AP. Saiu de lá satisfeita. "Sentámo-nos no chão, ninguém arredou pé, mas no fim deixaram as pessoas pagar apenas o que podiam. Amanhã vão ligar a água de novo", diz. A AP diz que tem em curso "cerca de três mil planos de pagamentos em prestações".