Moedas critica empresários por se queixarem da falta de dinheiro mas serem contra a TSU

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Carlos Moedas apareceu no lugar do primeiro-ministro em fórum sobre competitividade DANIEL ROCHA

Secretário de Estado reconhece que medida gerou "equívocos" mas diz que as críticas vêm de empresas "incumbentes e bem instaladas". Gestores tinham acabado de rejeitar a proposta, mas não foram ouvidos

O secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro respondeu ontem com palavras duras aos empresários que têm criticado a medida de desvalorização fiscal anunciada pelo Governo, mas sem nunca ter pronunciado a palavra TSU (Taxa Social Única). Na sua intervenção no almoço-debate que encerrou a conferência Competitividade e crescimento de Portugal no contexto mundial, Carlos Moedas revelou que a medida - descida das contribuições das empresas para a Segurança Social e aumento da parcela exigida aos trabalhadores - contestada por trabalhadores e empresários, está agora a ser discutida "de forma alargada" com os parceiros sociais e "a ser calibrada para atender aos mais desfavorecidos."

"Sei que para algumas empresas, incumbentes, bem instaladas e com domínio de mercado, esta medida [TSU] pode representar uma ameaça, uma vez que poderá dar mais força às empresas ágeis e dinâmicas", que "lutam com as bem instaladas pela quota de mercado" e que, "infelizmente, sentem maiores restrições no acesso ao crédito", defendeu Carlos Moedas. "Durante meses sem fim ouvimos muitas empresas referindo as restrições de liquidez que enfrentam no momento de pagar os salários ou investir. No entanto, a crer nas palavras de alguns empresários por estes dias, essas restrições desapareceram de um dia para o outro, não sendo já necessário aliviar custos para promover a competitividade."

O secretário de Estado reconhece que se vivem "dias intensos e sensíveis do ponto de vista político" e que a proposta de desvalorização fiscal gerou "equívocos". "Mas é uma medida que ataca de frente um conjunto de fragilidades de curto prazo da economia portuguesa, nomeadamente o rápido crescimento do desemprego e as restrições de liquidez que enfrentam a generalidade das empresas".

Entre as vozes críticas das mexidas propostas na TSU estão Filipe de Botton (presidente da Logoplaste e accionista da REN) e Paulo Azevedo (líder da Sonae, proprietária do PÚBLICO), que intervieram no encontro antes de Moedas e quando este ainda não se encontrava na sala, em representação de Passos Coelho - cuja presença tinha sido anunciada mas não se concretizou.

"Não somos [empresários] minimamente a favor da medida de redução de 5,75% da TSU [para as empresas] porque não faz qualquer sentido neste momento em Portugal", disse Botton, para quem a solução revela "uma insensibilidade social" que é "inaceitável" e que não terá impacto no emprego. Criar postos de trabalho exige "medidas de inovação, investimento e expansão empresarial".

Nos moldes definidos pelo Governo, a TSU "não devia ir avante" pois é contestada tanto por empresários como trabalhadores, lembra Botton, para quem o Governo terá "o bom senso, a consciência de que a medida" não resolve os problemas, mas ainda assim, diz, avançará com a proposta com "adaptações". Para o empresário "não há crispação política" mas "divergência" e não prevê "um colapso do Governo, nem o fim da coligação". É "quase ridículo" falar em eleições antecipadas, alega Botton, pois o tema "não está em cima da mesa, nem deverá ser posto em cima da mesa. É mau para Portugal e é péssimo em termos de imagem que estamos a passar."

Também o presidente executivo da Sonae, Paulo Azevedo, foi claro sobre esta matéria: "Se perguntarem à Sonae o que pensa desta medida, obviamente que para um grupo que vive do consumo interno ela é má." O empresário revelou estar preocupado com as dificuldades de financiamento das empresas e com a falta de estratégia para Portugal. Antes, Botton considerara "que não existe um rumo". As dificuldades em encontrar colocação em tempo útil para os desempregados menos qualificados não deixa indiferente Paulo Azevedo, que reiterou não ver sentido na discussão entre austeridade e crescimento, porque ambas as opções são necessárias e o fundamental é encontrar formas de as conciliar.

Já o conselheiro de Estado Vítor Bento, à frente da SIBS, disse concordar com o FMI na defesa da desvalorização fiscal para estimular o sector exportador e a produção de bens substitutos de importações. Entre os críticos da TSU "não vi ainda ninguém aparecer com uma alternativa concreta e destinada a promover o crescimento económico", frisou.

Para Pires de Lima, presidente da Unicer e dirigente do CDS-PP, o ano a mais que a troika deu devia ser usado para renegociar algumas medidas acordadas para dar "respostas a problemas estruturais do país".

Cortes difíceis de assumir

A crítica inusitada de Moedas às queixas dos empresários demonstra que o Governo "não esperava a oposição que tem recebido dos principais beneficiados - as empresas", considera o politólogo Carlos Jalali. "Seria normal que as pessoas se revoltassem, que os sindicatos criticassem e que o PS rompesse relações. De tudo isso o Governo estava à espera. Mas os empresários eram insuspeitos, deveriam ter aplaudido", acrescenta o académico, para quem a reacção de Moedas é sobretudo "emocional".

Será isso a prova da inabilidade do Governo em lidar com as críticas? "A grande dificuldade de o Governo explicar as mexidas na TSU é não querer assumir o seu objectivo de desvalorização salarial", afirma o também politólogo António Costa Pinto. "É muito difícil para um Governo justificar politicamente que quer baixar os salários", dando corpo à ideia expressa há meses pelo Nobel da Economia, Paul Krugman.

Por isso, tanto Passos com os outros governantes substituem o discurso político pela "legitimação tecnocrática associada ao FMI e ao BCE". O Governo desvalorizou os salários da função pública esperando que o mercado acabaria por ajustar os salários do privado por baixo, conta Costa Pinto. Mas isso não aconteceu. "Então o Governo teve que o fazer" e agora enfrenta o problema de ter que o justificar.

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