Casa das Histórias: autêntico ultraje e uma incompreensível (des)governação

Indigna-me a proposta de extinção da Fundação Paula Rego e o possível encerramento de uma brilhante, exemplar e premiada obra de arquitectura, da autoria do arquitecto Eduardo Souto Moura

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Nuno Ferreira Santos

"Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação autêntica é um dom para o futuro."

CAMUS, Albert

De um modo geral, podemos considerar que a cultura é, no nosso país, inexplicável e vergonhosamente penalizada pela autoridade política que o governa, independentemente do partido ou dos ideais que religiosa e convenientemente a mesma defende e, naturalmente, impõe. 

Por conseguinte, uma vez que não somos, ou não devemos ser, um povo inculto, apático, estupidificado e facilmente manobrável, é com um enorme prazer que venho por este meio expressar toda a minha indignação face à proposta de extinção da Fundação Paula Rego e ao possível encerramento de uma brilhante, exemplar e premiada obra de arquitectura, da autoria do arquitecto Eduardo Souto Moura, denominada Casa das Histórias Paula Rego.

Esta, juntamente com o comprovado valor artístico da pintora Paula Rego, promove e dignifica, internacionalmente, grande parte do valor técnico-artístico português que é, muitas vezes, execravelmente menosprezado ou pouco valorizado. 

Neste contexto, julgo que podemos afirmar, peremptoriamente, que esta proposta, assim como toda a história político-económica que a envolve, é um verdadeiro disparate resultante de uma diarreia mental detida por quem tem este tipo de iniciativas ou acções demagógicas fundamentadas num conjunto de falácias que sustentam, politicamente, uma austeridade que lhes é favorável. 

A cultura representa, semanticamente, um conjunto complexo de valores materiais, imateriais, artísticos, sociais, entre outros, que possibilitam a identificação e a distensão social de um determinado individuo ou grupo de indivíduos pertencentes a um contexto sócio-cultural específico. Contrariamente a um luxo, a um estorvo ou a algo dispensável, a cultura, enquanto um direito social e um valor fundamental da condição humana, exige, pela sua excepcionalidade, bastante respeito, reflexão e, sobretudo, alguma capacidade intelectual para que possa ser cultivada, compreendida e discutida de uma forma coerente e democrática.

Independentemente do nível ou da área de formação de cada um, acho que devemos, individual e colectivamente, manifestar a nossa opinião e o nosso descontentamento perante este tipo de situações que nos ridicularizam e empobrecem intelectualmente, de modo a contrariar todo este conjunto de actos displicentes, reprováveis e irracionais implementados por uma série de boçais abomináveis que, teimosa e proveitosamente, tentam suspender a democracia promovida pela sociedade que os mesmos deveriam governar inteligentemente com o intuito de evitar um retrocesso ou uma falência do saber! 

Por fim, gostaria de salientar, ainda, que embora não tenha nenhum argumento político- económico específico, considero que é urgente e essencial repensar todo este conjunto de acções governamentais que de um modo desconcertante desrespeitam, global e demasiadamente, todo o nosso património cultural, artístico e arquitectónico. Como refere José Ortega y Gasset, a cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência humana, como as mãos são um atributo do homem.

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