O vinho pode ser guardado?

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Todos os profissionais ligados ao vinho, sejam eles jornalistas, críticos, enólogos ou produtores, sabem que uma das perguntas mais repetidas por todos os apreciadores de vinho, e aquela a que todos sentem maior dificuldade na resposta, é a seguinte: que vinhos podem ser guardados em garrafeira? Apesar da relevância da questão e do seu óbvio interesse prático, a resposta afigura-se sempre difícil e raramente esclarecedora. A segunda pergunta tradicional, e igualmente relevante, é esta: como saber quando um vinho chegou ao momento ideal de consumo?

São interrogações recorrentes, necessárias e compreensíveis mas, desditosamente, de resposta inconclusiva. O potencial de envelhecimento de um vinho não é um dado objectivo ou científico, mensurável com precisão, e, desventuradamente, não existem fórmulas mágicas que ajudem no momento de soltar a profecia sobre o momento ideal de consumo. Depois de engarrafado e aprisionado na garrafa, o vinho continua a evoluir e a transformar-se de forma serena mas contínua, seguindo uma evolução que a ciência ainda não percebe por completo e não consegue predizer com objectividade. Infelizmente, por ora é impossível determinar com precisão a intensidade e ritmo da evolução.

Prognosticar a evolução de um vinho jovem e desconhecido é tão arriscado e imprevisível como prever a evolução de uma pessoa desde a sua infância, baseado apenas em pequenas e fugazes entrevistas, em pequenas janelas de tempo muito restritas. A experiência anterior relativa à região, ao ano agrícola, ao histórico do produtor, o conhecimento prévio das castas, do clima e das técnicas enológicas, será o suporte mais prudente para conseguir formular previsões sólidas sobre o potencial de envelhecimento de um determinado vinho.

Em Portugal, tal como em muitos outros países do mundo, mantém-se a crença mais ou menos generalizada que os vinhos, sobretudo os tintos, melhoram com o passar do tempo. Infelizmente a realidade encarrega-se de refutar esta crença. Desventuradamente, a maioria dos vinhos não melhora com a idade. Nos casos mais favoráveis e mais recomendáveis os vinhos poderão conservar por alguns anos os mesmos predicados que apresentavam no momento em que foram engarrafados... mas pouco mais que isso! São poucos, muito poucos, os vinhos do mundo que realmente melhoram com o tempo, os que, como que numa metamorfose mágica, desenvolvem uma complexidade e desenvoltura que apelam aos nossos sentidos. A regra de ouro para a maioria dos vinhos no mercado é comprar e beber o mais cedo possível, dentro de um prazo de três a cinco anos, até porque poucos disporão de condições ideais de guarda em casa.

Por regra, com a assinalável excepção dos vinhos doces, a maioria dos vinhos brancos possui um potencial de envelhecimento inferior ao dos vinhos tintos, consequência fatal da quase ausência de taninos antioxidantes. Apesar de a ciência ainda saber muito pouco sobre a evolução dos vinhos em garrafa, sabemos que as variáveis mais determinantes para uma longa capacidade de envelhecimento, embora seguramente não exclusivas, são o tanino e a acidez, tanto na quantidade como na qualidade.

Com a idade, e através de uma série de transformações químicas complexas e que não fazem sentido neste artigo, a aspereza dos taninos é arredondada, produzindo uma textura mais macia, uma diversidade de aromas e sabores, uma complexidade inexistente durante os primeiros anos de infância. Tal como as pessoas, os bons vinhos modificam-se com a idade, perdendo vigor e músculo, mas ganhando maior subtileza, adquirindo uma série de matizes e cambiantes que eram desconhecidos durante a fase mais juvenil.

A segunda regra fundamental a ter em conta é o ano de colheita. De uma forma genérica, prefira envelhecer vinhos de colheitas mais frescas, de anos agrícolas mais equilibrados e austeros que garantem um envelhecimento mais harmonioso, canalizando as colheitas mais quentes para um consumo menos dilatado no tempo. A guarda de vinhos espumantes raramente se justifica, já que a sua evolução foi consumada na cave de estágio. Os vinhos rosados, esses, devem ser bebidos no fulgor da juventude, no ano da colheita, por não desfrutar de boas capacidades de conservação.

Admitindo que as condições de guarda que dispõe em casa são favoráveis, os vinhos mais estáveis, os mais propícios para um longo envelhecimento, são os três grandes vinhos generosos de Portugal, o Vinho do Porto, Vinho da Madeira e o Moscatel. Valores seguros que poderá, e deverá, manter em garrafeira. Se não nos restringirmos aos vinhos nacionais então os clássicos europeus clássicos, Bordéus, Borgonha, Barolo, Chianti Clássico, Riesling alemães, austríacos e alsacianos, para além dos inevitáveis Sauternes, Tokay e vinhos doces alemães, continuam a ser uma excelente aposta.

Nos vinhos brancos portugueses pode apostar com segurança na maioria dos vinhos estremes da casta Alvarinho, da sub-região de Monção e Melgaço, onde os vinhos do produtor Soalheiro se têm revelado invariavelmente como a aposta mais sólida. Acredite igualmente nos vinhos da casta Bical, por vezes temperada com Cerceal ou Fernão Pires, sobretudo Luís Pato Vinha Formal ou Quinta das Bágeiras Garrafeira, ou então nos vinhos da casta Encruzado, vinhos como o Quinta de Roques Encruzado ou o Quinta do Cerrado Encruzado.

Nos tintos são muitos os nomes candidatos naturais a vinhos de guarda, rótulos como Barca Velha e Reserva Especial Ferreirinha, Duas Quintas Reserva, Pintas, Poeira, Quinta do Vale Meão, Batuta, Redoma, Quinta do Crasto Vinhas Velhas, Vinha da Ponte ou Maria Teresa, Quinta da Gaivosa, Mouchão, Quinta do Mouro, Quinta das Bágeiras Garrafeira, Luis Pato Quinta do Ribeirinho Pé Franco, Vinha Pan ou Vinha Barrosa, Bussaco, Quinta Foz de Arouce Vinhas Velhas Santa Maria, Quinta dos Roques Reserva ou Garrafeira.

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