Como é ter um filho com uma síndrome genética?

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Maria Parrinha e Helena Simões são mães de crianças com Síndrome de X-Frágil Carla Rosado

Desconhecida para alguns, a Síndrome de X-Frágil preenche as vidas das mães a quem o "desligar" de um cromossoma trouxe crianças diferentes. Amanhã, em Ponte de Lima, juntam-se para partilhar histórias

Cláudia Jesus diz que os dias são "em montanha-russa". É assim que esta professora de 38 anos descreve o dia-a-dia com um filho com Síndrome de X-Frágil (SXF). O Rodrigo tem quatro anos e sofre de hipotonia muscular - os músculos têm menos força do que o normal. Amanhã, as famílias das crianças com SXF reúnem-se em Ponte de Lima para debater e partilhar experiências.

"Não se conseguia sentar e caía com muita facilidade", diz Cláudia, sobre o filho. Foi-lhe diagnosticado atraso global do desenvolvimento, mas foi a educadora da Educação Especial quem, pela primeira vez, falou em SXF, pelas características físicas associadas. Segundo a Associação Raríssimas, estas "não são óbvias nos primeiros anos de vida" e podem não estar sempre presentes, mas no caso do filho de Cláudia, Rodrigo, são claras: macrocefalia, face alongada, orelhas grandes e em posição de rotação anterior, a que comummente se chamam "de abano".

Um teste genético confirmou os receios em relação a Rodrigo. "A partir do momento em que se sabe, é inexplicavelmente difícil", conta Cláudia. Ao seu lado, Helena Simões, 38 anos, partilha uma história idêntica. Mãe de Sérgio, agora com 14 anos, sempre notou no filho "alguma coisa de diferente".

Ao contrário de Rodrigo, Sérgio "andava, começou a falar, fazia tudo dentro da normalidade". Helena acredita que foi o instinto maternal, aliado a um "defeito profissional", é educadora de infância, que fez com que se apercebesse de um problema. Inicialmente diagnosticado com autismo, os exames genéticos confirmaram SXF. "Fez-se o luto durante muito tempo", conta a mãe. Nessa altura, não havia muita informação. Hoje sabe-se o que causa a doença.

A culpa sempre presente

Cada cromossoma é constituído por genes que produzem proteínas e formam as características da pessoa. A SXF é causada por uma mutação no gene FMR1 do cromossoma X, que está "desligado" e, portanto, não produz a proteína. Há ainda pessoas que são portadoras da pré-mutação sem saber, uma vez que o gene pode estar "adormecido".

Segundo a Raríssimas, a SXF "manifesta-se tipicamente em rapazes", o que é explicado pela presença de um cromossoma X nos homens e de dois nas mulheres. Não há números para a incidência da SXF, mas sabe-se que é uma doença rara - com prevalência inferior a cinco em dez mil pessoas - e o diagnóstico nem sempre é fácil, pois alguns sintomas podem confundir-se com autismo.

Estas mães são portadoras da pré-mutação e garantem que a culpa está sempre presente. Helena diz ser "inevitável", já Cláudia admite que "é uma culpa que não é racional", mas que a acompanha.

Lurdes Henriques, 46 anos, tem uma história ligeiramente diferente: é mãe de cinco filhos, três deles com SXF. O primeiro filho, Nuno, 29 anos, foi diagnosticado aos sete: "Notava-se que havia ali um bocadinho de atraso", conta. Até ali, "não tinha diagnóstico". "Diziam-me que era trissomia, mas não tinha; paralisia cerebral também não; não era autismo...", relembra a mãe enumerando as doenças. Paula, a segunda filha com 28 anos, "nasce normal", embora o crescimento denote que há áreas como a Matemática em que fica atrás dos colegas. Quanto ao David, 19 anos, "não seguia quaisquer estímulos". A SXF acabou por ser confirmada. Paula é portadora, o que justifica as dificuldades na aprendizagem. Dos três, David é o doente mais grave: "não fala praticamente nada". Lurdes diz que sempre trabalhou para que os filhos fossem autónomos e aprendeu a "não pensar no amanhã".

Estas mães conheceram-se na Associação Portuguesa da Síndrome de X-Frágil (APSXF), onde se juntam para lutar pelos filhos e combater o estigma social. "Os olhares dos outros são muito difíceis de gerir, porque é o nosso filho, o nosso amor", lamenta Cláudia.

Maria Parrinha, presidente da APSXF e mãe de um menino com SXF, sabe o que isso é. Tem a experiência de que parem na rua a olhar para o filho. Sensibilizar a sociedade e alertar para a existência da doença são objectivos da associação, que pretende ainda apostar na inovação na área da medicação. Maria Parrinha explica que começaram a ser feitos testes farmacológicos para a substituição da proteína FMR1, o que pode ajudar na hiperactividade e falta de concentração que, por vezes, acompanham a doença.

A prioridade é elaborar um registo dos doentes e portadores da SXF, motivo pelo qual estas e outras mães se reúnem, amanhã, no Clube Náutico de Ponte de Lima, para conhecerem pessoas que partilham as mesmas diferenças.

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