Mariana van Zeller corre mundo atrás de histórias
México, Síria e Uganda são apenas alguns dos países onde a jornalista já esteve, em trabalho. Contar histórias foi sempre o que quis fazer. Por isso bateu à porta do reitor da Columbia University e disse-lhe: "Tem de me deixar entrar nesta escola"
Mariana van Zeller teve uma certeza quando, a 11 de Setembro de 2001, lhe pediram para fazer directos televisivos a partir de Manhattan para Portugal: aquilo era o que sabia fazer e o que queria era ter mais histórias para contar. Desde então, viajou até ao Uganda para conhecer os movimentos evangélicos que perseguem homossexuais. Na Síria, onde ninguém sabia que era jornalista, acompanhou militantes mujahedines que cruzavam a fronteira em direcção ao Iraque para lutar contra os norte-americanos. No México retratou a vida luxuosa dos barões da droga, mostrou como vivem e como morrem.
Jornalista premiada, correspondente do National Geographic Channel nos EUA, Mariana van Zeller, 36 anos, é uma profissional insaciável. De Portugal até Los Angeles, onde vive, já percorreu um longo caminho. Desde os 12 anos, quando morava em Cascais, que sonhava ser jornalista. "Via os pivots na televisão, não sabia que eles usavam teleponto e queria saber sobre todas as coisas como eles. Queria saber sobre o mundo", diz ao PÚBLICO, por telefone, a partir dos EUA.
Aliás, quando era miúda, até queria que os pais fossem embaixadores para poder andar de país em país. Não eram. O pai é empresário da área da cerâmica, a mãe deixou de trabalhar quando Mariana nasceu. A jornalista não se cansa de repetir que lhe saiu a sorte grande com a família que tem. Apoiaram-na de todas as formas, compreenderam e incentivaram os investimentos que fez na educação e na carreira, como o mestrado em Jornalismo na Columbia University School of Journalism, em Nova Iorque. Antes, estudara Relações Internacionais na Universidade Lusíada.
Apesar de todo esse apoio, e também por causa dele, a jornalista sempre sentiu necessidade de se afirmar, de mostrar que era determinada e apaixonada pelo seu trabalho. Para entrar na Columbia University, tentou uma, duas vezes, e não conseguiu. À terceira, meteu-se num avião para Nova Iorque e bateu à porta do reitor, que a recebeu, espantado. "Tem de me aceitar nesta escola. É o meu sonho, eu sei que consigo e que vou fazer um bom trabalho", disse.
Segundo conta, o reitor ficou estupefacto. Nunca tal lhe teria acontecido. Mas, três meses mais tarde, Mariana soube que a sua candidatura tinha sido aceite. Durante o curso, foi distinguida pelo seu trabalho e desempenho enquanto aluna. Dois destes prémios, que foram financeiros, ajudaram-na a cobrir, a par do apoio que o pai lhe deu, as suas despesas nos EUA.
É durante o mestrado que descobre "o gosto pelos documentários de investigação" e é no fim que lhe é dada a possibilidade de fazer um estágio para uma produtora de documentários em Londres, a Insight News Television. Mais tarde, decide ir para a Universidade de Damasco, na Síria, para aprender árabe. Nessa altura, enquanto estudante e jornalista freelancer, monta um negócio paralelo de venda de tapetes para conseguir algum dinheiro. Envia-os pelo correio para Portugal, onde a mãe os vendia.
Perseguida na Síria
Hoje é correspondente "a tempo inteiro" do National Geographic Channel - antes, trabalhou para a Current TV e, como freelancer, fez vários documentários para outros órgãos de comunicação. Os seus trabalhos já receberam prémios: arrecadou em 2009 um Webby Award, da International Academy of Digital Arts and Sciences, para o documentário Obama"s Army, sobre o recenseamento jovem nas eleições norte-americanas.
Trabalha com o marido, Darren Foster, de 37 anos. Os dois dizem que não se cansam de estar tanto tempo juntos e que se conhecem tão bem que nem precisam de falar no terreno. Basta trocarem um olhar para saberem qual é o próximo passo a dar. Ambos gostam de viajar, de estar em cima do acontecimento. "Neste momento somos responsáveis, eu e o meu marido, por produzir documentários de uma hora para a National Geographic."
Apesar de na Síria não ter aprendido muito árabe, foi lá que fez o primeiro trabalho em conjunto com o então namorado, hoje marido, que se tornou o cameraman dos seus documentários: a história dos militantes mujahedines. Também viveu meio ano no Brasil. Três meses no Rio de Janeiro, onde andou pelas favelas. Outros três na Amazónia, onde fez uma reportagem sobre os conflitos existentes numa terra de índios devido a uma das maiores minas de diamantes do mundo.
"Já fui perseguida na Síria por militares que podiam estar ligados à Al-Qaeda, mas a situação em que tive mais medo foi quando, depois da reportagem na selva da Amazónia, me diagnosticaram leishmaniose, uma doença que basicamente é um parasita que come a carne", conta.
Teve de fazer um tratamento demorado, durante o qual um enfermeiro foi todos os dias, ao longo de um mês, administrar-lhe um medicamento que nem havia nos EUA. "Tiveram de fazer o remédio de propósito. Foi um grande susto. O tratamento era tão forte que me disseram que não podia ficar grávida. Na altura, já eu tinha planos de engravidar, mas tive de esperar", diz.
Conciliar a profissão com a maternidade foi o desafio seguinte. Por vezes, o filho, de dois anos, viaja com eles -"Quando achamos que é seguro, ele vem".
Mariana van Zeller reconhece que tanto ela como o marido têm muita dificuldade em "desligar". Falam bastante sobre trabalho, estão sempre à procura de uma história. Um frenesim que só abrandou com o nascimento do Vasco. Agora, Mariana procura não estar a olhar para o e-mail e para o telemóvel quando está com o miúdo e pela primeira vez percebeu que há outro tema de conversa ao jantar sem ser trabalho: "Não quero que o Vasco cresça com a mãe ausente. Quando estou com ele é para ser a 100%. Tento ser uma boa influência. Agora, já somos capazes de passar um jantar em que falamos 10% de trabalho e 90% sobre o Vasco", ri-se.
11 de Setembro
Mariana van Zeller recorda-se bem do momento em que percebeu até onde podia ir como jornalista: "Estava em Nova Iorque no 11 de Setembro e como já tinha trabalhado para a SIC antes de ir para os EUA, eles ligaram-me. Disseram-me que a primeira cara que os portugueses iam ver nessa noite seria a minha".
Lembra-se bem dos nervos e da "enorme felicidade" no fim: "Pensei "estou na carreira certa, eu consigo fazer isto". Depois, olhei para os posters que as pessoas tinham espalhado com fotos à procura dos filhos, dos maridos, das mulheres, e levei um murro no estômago. Aquilo bateu-me. Pensei que o meu trabalho podia ser uma coisa muito maior. Que podia contar outras histórias, de pessoas que não tinham uma voz própria para a contar."
Enquanto jornalista assume que não é "agressiva" e que dá "espaço para as pessoas falarem". Além disso, reconhece que o facto de ser uma jovem e bonita, muitas vezes a ajuda a conseguir os seus objectivos: "Não me consideram uma ameaça e isso joga a meu favor. Se um ar inocente nos dá ferramentas para contar a história, então que assim seja".
Mas o trabalho que faz já se revelou incómodo. Por exemplo, depois do documentário no Uganda, um pastor americano anti-gay criticou-a publicamente num blogue e disse-lhe "coisas horríveis" por correio electrónico: "Na altura, eu estava grávida de oito meses e ele enviou-me e-mails a dizer que o meu filho tinha muito azar em me ter como mãe", conta.
Mas um dos documentários "mais importantes" que fez foi sobre o abuso de prescrição de medicamentos nos EUA, um trabalho distinguido em 2010 com um Peabody Award, atribuído pela Henry W. Grady College of Journalism and Mass Communication. "Há mais pessoas que morrem de sobredosagens medicamentosas do que de drogas. É o número um de causa de morte acidental. Os EUA gastam milhões por ano no combate às drogas e esquecem-se que os medicamentos matam milhares", justifica.
Ainda assim, os temas que lhe "estão mais próximos do coração" são os da emigração: pessoas que deixam o continente africano ou a América do Sul à procura de uma vida melhor. Henry, um emigrante da Libéria que andava de campo de refugiados em campo de refugiados e que queria chegar à Europa para dar uma vida melhor ao filho; e Maria, que queria trocar El Salvador pelos EUA pelas mesmas razões, foram duas pessoas que conheceu e que lhe deram "inspiração".
Num futuro próximo, gostava de realizar um documentário sobre a crise em Portugal: "É um tema que me interessa bastante. Falo com a minha família, amigos, sobre o desemprego, sobre venderem casas, carros, tirarem os filhos das escolas...", justifica.
Vai regressar a Portugal? "Não sei. Há dias em que acho que sim, que quero morrer em Portugal. Mas ainda sou muito jovem, ainda há muitos países que quero conhecer. Ainda gostava de viver no Brasil, na Índia e na China", enumera.
Mas não está arrependida de ter deixado o país, sabe que teria sido mais difícil vingar como vingou se tivesse ficado: "Adorava dizer que Portugal dá oportunidade aos jovens, que teria tido oportunidade de fazer grandes reportagens, mas achei mesmo que, se quisesse fazer o que faço, teria de sair do país".