Uma fábula hipster

A “mulher de sonho” do título português do segundo filme de Jonathan Dayton e Valerie Faris (Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos, 2006) não tem muito em comum com as heroínas dos filmes que tiveram por cá títulos semelhantes. Não é bem a Bo Derek do Uma Mulher de Sonho de Blake Edwards (1979) nem a Julia Roberts do Um Sonho de Mulher de Garry Marshall (1990). Tal como escrita e interpretada por Zoe Kazan (neta de Elia), Ruby Sparks é, literalmente, uma mulher de sonho: porque saiu inteirinha da cabeça de um escritor bloqueado (Paul Dano, na vida real companheiro da actriz e argumentista) que, inspirado por um sonho, começou a escrever um novo romance e, uns quantos dias mais tarde, dá por Ruby a ter existência real, tangível, física. É uma boa ideia, mesmo que pouco original, cujas arestas cortantes ficam mais sugeridas do que exploradas; Dayton e Faris parecem fazer questão de aplainar e limar as potencialidades de uma história que quer debater as relações românticas através do dispositivo da personagem ficcional que ganha vida até nada restar se não um ersatz calculado da vida real, uma fábula amável e muito hipster mas unidimensional, à qual a dupla não consegue emprestar a mesma humanidade que se sentia na sua popular estreia. Sobra um filme simpático, divertido, mas estranhamente anónimo.

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