A crise está a pôr um travão a fundo até nas vendas de carros usados
Quando baixam as vendas de automóveis novos, o número de usados que voltam a ter o conta-quilómetros ligado tende a manter-se ou a crescer. É uma dedução que o tempo se encarregou de tornar regra, mas que a actual crise arrisca deixar cair em desuso. O mercado automóvel vive em profunda agonia há mais de um ano e meio. E nem o segmento de usados está a resistir ao impacto que a diminuição do rendimento das famílias, a subida do desemprego e a queda no crédito ao consumo estão a ter na economia.
Não há dados oficiais para quantificar ao certo a descida nas vendas de usados em Portugal nos últimos meses, mas as associações do sector calculam que esteja entre 30 e 40%, quebra próxima do comportamento dos carros novos em 2012, que contraiu 43,2% até Julho face ao mesmo período do ano passado.
Nos stands, estão a entrar menos pessoas à procura de um veículo com quilómetros de uso. E os vendedores notam uma tendência: praticamente já só bate à porta quem tem condições para comprar sem um empréstimo.
Um dado objectivo é que as importações de usados (ligeiros de passageiros) estão a baixar. Até Julho, não chegaram às dez mil unidades. De acordo com a Associação Automóvel de Portugal (ACAP), a descida é de 36% em relação ao mesmo período de 2011, com quebras pronunciadas na entrada de carros com insígnias BMW, Mercedes-Benz, Renault e Volkswagen, as que têm as maiores quotas nas importações de usados.
Este segmento "poderá ser tanto mais importante quanto mais baixo for o peso dos novos", observa o secretário-geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel (ANECRA), Jorge Neves da Silva. Mas não é o que está a acontecer em Portugal, ao contrário, por exemplo, do mercado espanhol, onde a crise fez disparar a venda de usados de há 12 meses para cá. "Os próprios empresários não conseguem financiar-se, e aos compradores os bancos limitam o crédito", enquadra Neves da Silva.
Portugal foi o país da União Europeia onde as vendas de carros novos mais recuaram na primeira parte do ano, o que está a reflectir-se nas receitas do Estado com o Imposto sobre Veículos (uma queda de 45,1% até Julho). O mercado de carros usados é geralmente mais resiliente aos choques económicos, mas a recessão e a queda do poder de compra estão a colocar os dois segmentos do mesmo lado da balança.
Tanto a ANECRA como a ACAP não têm dados pormenorizados de vendas de usados. Mas os inquéritos trimestrais feitos aos vendedores por esta última associação levam o seu secretário-geral, Hélder Pedro, a admitir que há uma contracção das vendas "muito próxima da dos novos". Neves da Silva alinha pela mesma estimativa de 30 a 40%. "O sector tem vivido momentos muito complicados", acentua. Segundo a Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC), o crédito concedido para a compra de automóvel, pelas instituições que representa, baixou em termos homólogos 39,9% no primeiro trimestre: de 351 milhões de euros para 211 milhões. Cerca de metade trata-se de financiamento para carros usados, diz o presidente da ASFAC, António Menezes Rodrigues. E com as baixas perspectivas sobre a evolução da economia e o número de desempregados a aumentar, "as pessoas estão a adiar a troca de carro", nota o secretário-geral da ACAP. "Há um crescimento da procura por viaturas mais antigas, com quatro/cinco anos", acrescenta Armando Leite Santos, director-geral da Auto Usados (grupo Auto-Industrial), que sente a crise no sector com uma retracção de 20% nas vendas e de 25% na procura. Com quase dois terços do ano cumprido, o grupo conta terminar 2012 com as vendas de usados na ordem das 4500 unidades.
Stands de estradaO parque automóvel está a envelhecer. No caso dos ligeiros de passageiros, a idade média da frota subiu para 10,5 anos em 2011. "E há um risco de a tendência se prolongar", avisa Hélder Pedro. Um fenómeno que se tem acentuado "com muita intensidade" é a venda de usados entre particulares, nota Neves da Silva. Em Espanha, supõe-se que seis em cada dez carros usados são vendidos de particular para particular. Em Portugal, o secretário-geral da ANECRA calcula que não representam tanto na soma das vendas. Mas avisa que "ainda há uma enorme percentagem" de pessoas que "que fazem da rua o seu stand e do café o seu escritório".
Há, apesar da onda de pessimismo que o sector atravessa, uma franja de negócio que se mantém à tona. O número de viaturas penhoradas tem aumentado, o que potencia o crescimento das empresas de leilões. É o caso da Manheim Portugal, que, segundo o seu director-geral, Nuno Castel-Branco, mantém o nível de vendas do ano passado. Se o ritmo de carros leiloados continuar na média de mil por mês, o braço português da multinacional prevê vender 12 mil veículos este ano, o número de 2011.
Notícia corrigida dia 26, às 14h07, com correcção do nome da ASFAC