MoMA sob sob a égide de Gadanho
O potencial político da arquitectura foi a forma que Pedro Gadanho, curador de Arquitectura Contemporânea no MoMA, encontrou para agir de forma inovadora sobre a colecção do museu.
Um olhar sobre 50 anos de diversas posições políticas na arquitectura foi a forma que Pedro Gadanho, curador de Arquitectura Contemporânea no MoMA, Nova Iorque, encontrou para contribuir com uma perspectiva inovadora sobre a colecção de arquitectura do museu. 9 + 1 Ways of Being Political: 50 Years of Political Stances in Architecture and Urban Design é a sua primeira exposição desde que assumiu funções em Janeiro, e inaugura a 12 de Setembro nas galerias de Arquitectura e Design do terceiro andar do MoMA. A escolha do tema veio pouco depois do curador estar a viver em Nova Iorque. "Quando cheguei, e estando próximo do Occupy Wall Street [Movimento de protesto contra a desigualdade económica e social e a corrupção do sistema financeiro; teve início em Setembro de 2011 no Zuccotti Park, em Wall Street], senti que os arquitectos nos blogs colocavam muito a questão de qual era o papel que poderiam ter face a um momento desta natureza, quase denotando um esquecimento de que de facto os arquitectos têm um papel político, nem que seja pela simples razão muito aristotélica de que se está a lidar com a Pólis, com a cidade."
Dividida em nove secções, e com mais de 80 peças, 9 + 1 Ways of Being Political é uma reflexão sobre o potencial político da arquitectura, um dos fundamentos da vanguarda do início do século XX, que se acredita ter sido oprimido pela economia e pelo entendimento da arquitectura como estando em processo simbiótico com as estruturas de poder. Esta percepção seria desmentida pela nova vanguarda nos anos 60 e 70 e pelas práticas emergentes que reflectem um compromisso social e político. "Fui à procura de trabalhos que revelassem modos de ser político de uma maneira muito diferente, desde o radicalismo dos anos 60 até às questões da responsabilidade social que estão a regressar", explica.
A exibição proporciona um diálogo entre várias posturas da arquitectura e obras de artistas, fotógrafos e designers. A abordagem de Gadanho vem na sequência da necessidade de entender a arquitectura como produção cultural, ou seja, "inserida e em diálogo com outro tipo de actividades culturais". Em cada secção da exposição há uma obra de um artista, o que favorece esse encontro de linguages. O americano Jason Crump é um deles: os seus trabalhos Project for a Painted Wall (New York e Connecticut) reflectem sobre arte pública.
9+1 Ways of Being Political: 50 Years of Political Stances in Architecture and Urban Design integra algumas das aquisições mais recentes do MoMA, como é o caso do projecto de habitação de São Victor, no Porto, assinado por Siza Vieira. Construído no pós-25 de Abril, a obra fez parte da Operação SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local, 1974-1977) e resultou em habitações simples, com uma escadaria central e dois andares, mas nunca chegou a ser terminado. O MoMA apresenta agora desenhos e fotografias do projecto.
Andrés Jaque, considerado um dos arquitectos mais desafiantes, é outra das surpresas da exposição. IKEA Disobedients foi adquirida para a colecção do museu, enquanto instalação e performance, na primeira metade de 2012. É composta por móveis IKEA que desobedecem às instruções fornecidas pela empresa, e enquanto performance reúne pessoas com actividades políticas que normalmente são desenvolvidas a partir dos interiores das suas casas para que reproduzam essas actividades num ambiente doméstico criado com objectos transformados do IKEA. IKEA Disobedients teve a estreia em Madrid, em Novembro, na exposição Performance e Arquitectura e será agora apresentada em formato vídeo como parte da exposição e como performance no MoMa PS1 (a 16 e 23 de Setembro).
Performance
Esta peça performativa vem, uma vez mais, afirmar a preocupação de Gadanho em explorar o que é hoje denominado de performance architecture. Em meados de 2000 começou a notar um certo tipo de atitude entre jovens arquitectos: actuações próximas do campo artístico, situações efémeras em que uma aparição do projecto era mais importante do que fazer o edifício definitivo. "Se virmos obras, que já vêm de há muito, como as do [arquitecto franco-português] Didier Fiuza Faustino que utilizou o corpo para fazer uma peça sobre emigração, em que há todo um aspecto performático e de comunicação do objecto, percebemos que é muito diferente da linha mais tradicional de uma apresentação de arquitectura. Depois, os berlinenses Raumlabor... Comecei a notar que o denominador comum destas diferentes formas de actuar na cidade, de intervir e de adoptar estratégias arquitectónicas pouco relacionadas com a construção intencional, era essa ligação à performance."Stairway to Heaven (2007), assinada por Didier Fiuza Faustino, foi construída no espaço público, em Castelo Branco. A peça convidava cada pessoa à apropriação do espaço, como lugar de encontro individual na comunidade, recusando a ideia de escultura monumental. Já o colectivo Raumlabor estará representado com Cantiere Barca (2011) - aquisição recente do MoMA -, que foi estabelecido como um espaço de comunicação para a comunidade jovem dos bairros de Barca e Bertolla nos subúrbios de Turim, no sentido de contribuir para a re-apropriação do espaço urbano.
Nos EUA, o "movimento" a que Gadanho se refere como architecture performance é algo novo. Mas o curador acaba de herdar, com o cargo no MoMA, o projecto Young Architects Programs (YAP). E refere Wendy, instalação temporária assinada pelo atelier HollwichKushner (HWKN) e que venceu a 13ª edição do YAP em Nova Iorque. "O uso temporário promove sempre a ideia de performance, porque o edifício está ali para activar o espaço e, portanto, para promover uma participação pública numa performance mais geral. Mesmo em objectos temporários desta natureza essa noção de performance poderá ser lida. No temporário acaba por haver um campo de experimentação e uma certa libertação dessas amarras, o que permite revelar a criatividade de forma mais explícita."
O YAP surgiu como iniciativa para dinamizar o espaço exterior e a programação de Verão do MoMA PS1, e com a missão de criar oportunidades para o desenvolvimento de projectos inovadores para jovens arquitectos. O programa surgiu em 2000, no mesmo ano em que o MoMA PS1, em Long Island, entrou no circuito artístico. Gadanho, que agora integra o júri do YAP, considera que "os projectos têm variado imenso ao longo dos anos, mostrando que, no fundo, o programa é uma análise de tendências". O concurso é aberto a pessoas que estejam a surgir no cenário arquitectónico americano e daí são seleccionados, pelo júri, cinco finalistas, de entre os quais é escolhido o vencedor, que tem a possibilidade de desenvolver um projecto para uma instalação temporária ao ar livre.
O projecto tem de seguir um briefing que o direcciona para questões ambientais e ecológicas. Pelo facto de ser um programa de Verão e de ocupar um pátio de uma instituição cujo número de visitantes aumenta nesta altura do ano, tem de criar sombra, lugares sentados e usar água. Além destas directrizes há sugestões que se prendem com o lado mais arquitectónico e com a forma de apropriar o espaço. "As premissas das preocupações ambientais estão mais uma vez presentes nas propostas quando os arquitectos desenvolvem a forma do seu edifício", avança Gadanho. Inaugurada no início do Verão, Wendy responde a estas premissas e testa as fronteiras da arquitectura, criando um efeito social e ecológico. Barry Bergdoll, curador de Arquitectura e Design do MoMA, explica como funciona: "O design de HollwichKushner baseia-se na ciência emergente de materiais relacionados com a limpeza ambiental- o material remove as emissões de dióxido de carbono produzidas pelos automóveis em Long Island."
Da linha do metro 7, quando em Queens se torna exterior, vê-se Wendy, a estrela azul com braços pontiagudos, criando curiosidade nos passageiros que por ali passam. Para Gadanho, "a proposta tem um carácter icónico, mas também mais irónico, por ser uma forma pop. Essa forma, apesar de nascer de uma condicionante funcional, é uma obra com uma grande capacidade de comunicação e de atrair pessoas para o museu, até porque se sobrepõe à altura dos muros do pátio".
Além do projecto vencedor é ainda possível conhecer os restantes finalistas do YAP numa exposição no MoMA com curadoria de Barry Bergdoll. Depois de Nova Iorque, o YAP já se estabeleceu em Roma, com a parceria do Museu Nacional de Artes do Século XXI (MAXXI), no Chile, com a parceria do CONSTRUCTO, e no próximo ano será realizado em Instambul. As edições internacionais partilham as mesmas premissas, directrizes e júri, surgindo como oportunidade para os jovens arquitectos locais. Os projectos apresentados não têm necessariamente uma identidade nacional, uma vez que a linguagem arquitectónica tende a ser cada vez mais internacional e há grande circulação de imagens e de estilos. Mas segundo Gadanho "o programa tenta ser regional, ou seja, reflecte a realidade do país onde é implementado, não só nos vencedores, mas no facto de haver este processo de selecção que acaba por revelar os portfólios de muita gente interessante que está a surgir no panorama dessas zonas."