Julie Delpy continua às voltas com a família. Tínhamo-la deixado no Verão do Skylab (estreado há poucos meses), recomposição de uma reunião familiar no final dos anos 70, plena de disfunção, ressentimentos políticos variados, e bom humor. Reencontramo-la em Nova Iorque, na época contemporânea (Barack Obama, ou pelo menos uma sua efígie em cartão, até tem um papel de algum relevo), para mais uma reunião familiar. A disfunção é garantida, o humor é mais neurótico (escola novaiorquina, dir-se-ia), os ressentimentos são menos políticos - e em relação ao Skylab acrescenta-se outro elemento cómico, o choque cultural: eis o que acontece quando a família (o pai, a irmã e o namorado da irmã) de uma artista francesa radicada em Manhattan a vem visitar, carregada de chouriços (que ficam retidos na alfândega) e idiossincrasia (que, essa, escapa ao controlo de fronteira).
O filme - que é o “espelho” para Dois Dias em Paris, que Delpy assinou há cinco anos - é mais caótico do que o Skylab. Há menos personagens, mas todas enfiadas num apartamento pequenino de Manhattan dá impressão que são muitas mais. Delpy não se sai mal com essa ideia, obviamente central, de ter um amontoado de gente a desentender-se em meia-dúzia de metros quadrados, e como no Skylab as cenas de refeição são muito razoavelmente conseguidas, com muita cacofonia, conversa de surdos, quiproquós e “non sequitur”. As personagens são bem recortadas - existem - e há cenas bastante divertidas durante essa primeira parte em que quase tudo o que se passa consiste na descrição da “invasão gaulesa”, perante o cada vez mais atónito namorado da personagem de Delpy (Chris Rock, muito mais contido do que habitualmente, até porque quase não o deixam falar).
Está-se bem enquanto o filme parece, de facto, ser “sobre nada”, e preocupar-se em ser uma espécie de “comédia de situação”, de uma situação exaustivamente descrita e explorada. Não se está tão bem à medida que deste caos vai emergindo uma pequena lição de vida, ou de filosofia de vida, que na sua platitude essencial (por sincera que seja a maneira como Delpy, através da sua “dupla”, se relaciona com o luto e com o amor) em pouco se distingue daquele optimismo simplório digno dum magazine dominical. Nesse aspecto, o Skylab, muito menos fechado, e certamente muito menos sublinhado, resolvia-se melhor. Mas este é outro filme, dirão; pois claro que é, e dele retiramos sobretudo a confirmação de que Delpy, como cineasta (ou como cineasta/actriz), tem qualquer coisa que não é para riscar, e que se encontra, por exemplo, numa certa brutalidade da comédia, que sem aviso se pode tornar agressiva, por vezes quase ordinária (pela linguagem, e pelas coisas que a linguagem diz), a suscitar um riso desarmado pelo gelo que nele próprio se descobre sem se saber precisar de onde, exactamente, apareceu ele.