A viagem ao passado dos Ornatos Violeta fez tremer Paredes de Coura

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Manel Cruz emocionou-se com a enchente e a reacção do público (ao lado) e os Dead Combo deram um concerto em jeito de consagração

Lotação esgotada para ver o regresso aos palcos da banda portuguesa. Os cinco rapazes cresceram, mas a sua música continua lá, intacta. Um concerto que fica na história

"Não sei o que dizer", dizia no palco um Manel Cruz emocionado perante milhares de almas. Não precisava de falar, o cenário falava por si. Está encontrado o acontecimento do ano no pop-rock português: o regresso dos Ornatos Violeta aos palcos, dez anos depois de terem desaparecido. Com eles, Paredes de Coura teve a prenda do seu 20.º aniversário, uma das maiores enchentes da história do festival: 25 mil pessoas, sensivelmente a capacidade do recinto.

A excitação era quase palpável e começou horas antes do concerto. Afinavam-se as vozes para os refrães. Procurava-se garantir o melhor lugar possível. Contavam-se os minutos. Havia quem gritasse, mas também quem guardasse um ansioso silêncio. Pouco depois da hora marcada, entraram em palco os cinco ex-rapazes, agora adultos, que com apenas dois discos garantiram um lugar na história do pop-rock português.

Berros, choradeira, emoção. Eis Tanque, rock em combustão lenta com muitas das características que fizeram de O Monstro Precisa de Amigos (1999) um disco sem mácula: letras ambíguas que se colam ao desarranjo emocional de cada um, um sentido épico insuflado pelos teclados de Elísio Donas e a guitarra de Peixe.

O Monstro foi passado em revista do início ao fim, de Tanque a Fim da canção, com a perfeição técnica que a ocasião exigia. Dir-se-ia que não passaram dez anos sobre a despedida: a banda tocou na perfeição os 13 temas daquele disco, do rock de O.M.E.M. (o peso dos riffs de Peixe em contraste com os sombrios teclados de Donas) à introspecção de pelúcia de Deixa morrer, lamento de guitarras e teclas a carpir ("Mas deixa o nosso amor morrer", cantaram milhares de almas).

Ouvi dizer teve a previsível recepção eufórica que merece, mas, nas filas da frente, onde o PÚBLICO viu a actuação, a devoção era plena. Todas as palavras, da primeira à última, das canções de O Monstro eram cantadas por milhares de pessoas. E os devotos ali presentes eram, na sua maioria, adolescentes ou pouco mais velhos, o que confirma que a adoração aos Ornatos Violeta explodiu com a banda já morta.

No palco, sorrisos cúmplices entre os músicos e Manel Cruz em repetidos agradecimentos, sem resistir até a um "mergulho" sobre o público.

Saíram do palco com Fim da canção, como previsto, mas voltaram para dois encores em que foram ao baú buscar preciosidades que nunca viram a luz do dia ou tiveram divulgação diminuta durante a vida da banda. Depois da comoção, ouvir canções desconhecidas pareceu um anticlímax, mas a sensação desvaneceu rapidamente quando temos a oportunidade (única?) para conhecer outros lados dos Ornatos.

Mostraram canções que podiam ter entrado em O Monstro mas que ficaram na gaveta; foram a 1993 ("muito antes do Cão!", lembrou Cruz) buscar uma canção que quase ninguém ouviu, A metros de si; recuperaram Tempo de nascer, incluída na compilação Tejo Beat, de 1998, velha preferência dos conhecedores. Nem sombra de Cão!, o outro álbum dos Ornatos, que ficará, certamente, reservado para os quatro concertos nos coliseus do Porto e de Lisboa, em Outubro.

E ainda os Dead Combo

Na hora de relembrar a noite de sexta-feira (e, arriscamos, o EDP Paredes de Coura deste ano), os Ornatos Violeta surgirão como reis e senhores. Mas, numa noite com um lote de artistas maioritariamente nacional, os Dead Combo também conseguiram um daqueles momentos em que um (bom) festival é fértil.

Mais habituados a salas do que a festivais, Tó Trips e Pedro Gonçalves fizeram-se acompanhar por Alexandre Frazão, baterista com pedigree jazz que acrescentou nervo rock à música (foi quase sempre subtil, como fica bem a esta música de vielas escuras). Peixe, dos Ornatos, também deu uma perninha.

Eléctrica cadente (maravilha de suspense eléctrico) forneceu um final sublime, depois de as guitarras aos círculos de Lisboa mulata convidarem África a juntar-se a Carlos Paredes, Ennio Morricone e Piazzolla na festa universal dos Dead Combo. E lá foi ela, gingona. Um concerto em registo de consagração.

Ainda no lote nacional, destacaram-se os Capitão Fausto, competentíssimos na hora de apresentar a sua música com suficientes doces pop para ser radiofónica, mas também sabores mais complexos.

Deslocados no cartaz de sexta-feira, os ingleses The Go! Team conseguiram, ainda assim, fazer a festa. Parecem um grupo de geeks que têm naquelas canções a sua vingança das partidas dos rufias lá da escola.

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