"Super-idosos" têm cérebros muito menos envelhecidos do que as pessoas da sua idade
A equipa de Emily Rogaslki, da Universidade de Northwestern, em Chicago, nos Estados Unidos, enveredou pelo caminho inverso para tentar atingir esse objectivo. Foi à procura de algo que roça o mito urbano: idosos com um cérebro tão jovem como uma pessoa de meia-idade. E, surpreendentemente, encontrou-os. Os resultados publicados nesta sexta-feira na revista Journal of the International Neuropsychological Society, mostram que pode haver uma alternativa à desmemória inexorável trazida pelos anos.
"Esta descoberta é excepcional, já que a matéria cinzenta ou a perda de células cerebrais é um aspecto do envelhecimento normal", disse Emily Rogaslki, em comunicado.
Esta normalidade está estudada na literatura. Uma pessoa saudável de 80 anos tem uma memória pior do que alguém com 50, que por sua vez terá mais dificuldade em recordar um determinado acontecimento do que um jovem. O fenómeno reflecte-se em testes básicos, mas também é revelado quando se observa a anatomia humana. O córtex - a parte mais externa do cérebro, responsável pelas memórias, atenção, pensamento ou linguagem - diminui de espessura à medida que a idade avança.
"Mas há relatos de indivíduos que parecem imunes à perda da memória", diz o artigo científico. A equipa foi à procura destes casos para ver se esta perda seria inevitável ou se haveria uma "trajectória alternativa que resiste às mudanças anatómicas e cognitivas, características do envelhecimento normal".
Para isso, os cientistas estudaram 12 "super-idosos" com uma média de idades de 83,5 anos, depois de terem feito um teste que mostrava terem uma memória equivalente a pessoas na casa dos 50 e dos 60 anos. A equipa comparou estes "super-idosos" com dois grupos: o primeiro de dez idosos saudáveis com uma média de idades de 83,1 anos, o segundo tinha 14 pessoas com cerca de 57,9 anos. Os três grupos passaram por vários testes cognitivos e, depois, fizeram-lhes imagens de ressonância magnética ao cérebro.
Os resultados foram expressivos: os "super-idosos" tinham uma espessura do córtex cerebral maior do que o grupo de pessoas da mesma idade. Essa espessura era equivalente à do grupo com idades entre os 50 e os 65 anos. "A espessura do córtex dá uma medida indirecta da saúde do cérebro", disse a investigadora. "Um córtex mais espesso sugere um maior número de neurónios."
Uma região que sobressaiu nas imagens e nas medições foi o córtex cingular anterior, responsável pela capacidade de atenção, que nos "super-idosos" chegava a ser maior do que nas pessoas de meia-idade. "É mesmo incrível", disse Rogalski. "Esta região é importante para a atenção, e a atenção suporta a memória. Talvez os "super-idosos" tenham mesmo uma atenção mais aguçada e isso suporta a sua memória excepcional."
Para a cientista, estes resultados podem vir a ajudar a tratar problemas como a doença de Alzheimer, que é degenerativa e cujos primeiros sinais são a perda gradual das recordações. "Podemos começar a perceber como é que os "super-idosos" conseguem manter a sua boa memória. O que aprendemos com estes cérebros saudáveis pode ajudar nas estratégias para melhorar a qualidade de vida dos idosos e combater a doença de Alzheimer."
Mas esta população é mínima. Só 10% das pessoas que disseram ter uma capacidade extraordinária de guardar lembranças é que conseguiram passar os testes da equipa.
Uma das questões que o artigo levanta é como é que estas pessoas chegaram a estas idades assim: será que já nasceram com um córtex particularmente grande? Ou será que houve uma diminuição muito mais lenta do cérebro do que o normal? Qualquer que seja a resposta, o trabalho "demonstra como a manutenção de uma memória superior, acompanhada pela integridade do córtex, é possível a nível biológico".
“Estamos a seguir estes indivíduos em intervalos regulares de 18 meses e vamos recolher informações sobre o contexto genético, o tipo de vida que levam, a história médica. Também pedimos para doarem os cérebros na altura da morte. No fim, esperamos identificar as características biológicas que promovem a capacidade funcional nas pessoas mais velhas”, disse ao PÚBLICO a investigadora.