Cinco universitários vão de fim-de-semana para uma cabana isolada ao pé de um lago - tão isolada que a única coisa que fica em caminho é uma bomba de gasolina decrépita habitada por um saloio assustador e desagradável. O que é que isto tem a ver, perguntarão, com dois empregados que começam o seu turno numa vasta instalação empresarial e com o seu quê de anónimo? Tudo, vai-se a ver. Porque A Casa na Floresta vai fazer colidir fervilhante e violentamente essas duas situações ao longo de um filme infinitamente engenhoso que funciona dentro das mecânicas regradas do cinema de terror como meditação meta-referencial sobre o voyeurismo e o escapismo.
Se parte da popularidade do cinema de terror se deve à sua inscrição num género bem delimitado, onde o prazer vem também do reconhecimento das convenções e do modo como cada filme trabalha as figuras obrigatórias, outra parte vem do modo como ele reage e/ou traduz, mesmo que inconscientemente, o mundo e o tempo em que é feito. Mestre Joss Whedon (sim, ele da Buffy e de Firefly/Serenity e dos Vingadores, aqui argumentista e produtor) e o acólito Drew Goddard (sim, ele de Nome de Código: Cloverfield, aqui realizador e argumentista) não fazem aqui outra coisa, só que o fazem no interior de um jogo de espelhos refractado ad infinitum.
Num mundo de écrãs, imagens, reality-shows, tecnologia, informação, onde tudo pode ser cruzado e referenciado num mesmo instante, a hora e meia de A Casa na Floresta assume essa vocação meta-referencial e estilhaça-se numa história sobre as histórias que contamos desde tempos imemoriais, que justificam a nossa atracção pelo sofrimento e pela violência. E imagina o cinema de terror actual (e não só - pense-se na interminável reality-TV que inspira um dos melhores momentos do filme) como o equivalente contemporâneo dos velhos sacrifícios humanos ou das lutas gladiatoriais. Como um ópio do povo que aplaque a sede de sangue e a tendência violenta de um ser humano que talvez ainda não tenha deixado inteiramente para trás os seus instintos animalescos. Ou um escape que encerra um subtexto mais denso e abre uma espécie de poço sem fundo de ideias e possibilidades.
A Casa na Floresta aplica, assim, as regras para melhor as desmontar; pergunta-se porque é que o filme de terror parece ter que seguir estas regras imutáveis com variações apenas ínfimas e responde no mesmo movimento. Fá-lo - e é isso que o torna notável - através da coexistência da desmontagem mais minuciosa e do respeito mais rigoroso, numa espécie de “filme de terror redux”, ou filme de terror para acabar com todos os filmes de terror, em direcção a um apocalipse pop que muito blockbuster de Hollywood passa o tempo a prometer sem cumprir. Inteligente e popular ao mesmo tempo, bem-humorado e assustador, gerindo com uma elegância quase insolente uma série de elementos díspares, A Casa na Floresta é o exemplo perfeito da invenção e da originalidade que anda a faltar à maioria do cinema que se faz hoje em dia. E é aquela coisa que para muito gente parece uma contradição nos termos: um filme de terror inteligente. Sim, é possível.