O dia em que fomos ver Kim Gordon livre e sem rede

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Um dia depois de estar na ZDB, Kim Gordon tocou em Guimarães Carla Rosado

Kim Gordon, ícone do rock"n"roll como arma de vanguarda, chegou a Portugal, acompanhada de Ikue Mori, quando os Sonic Youth vivem um hiato e fomos vê-la para sorver um pouco do que se perdeu com o pousio da histórica banda. Mas não só: tal seria injusto para com o percurso de Thurston, de Lee Ranaldo, ou, aquilo que aqui nos interessa, de Kim Gordon - a sua criatividade tem assinatura vincada.

Kim Gordon e Ikue Mori, a antiga baterista dos DNA, convertida depois em exploradora electrónica, juntas num concerto sem rede. O banco de sons de Mori respondendo aos esparsos riffs de Gordon, e ambas respondendo às imagens que iam sendo projectadas atrás de si, de manchas de cor a imagens que pareciam definir-se sem se fixar: de tons de azul ou colorido pixelizado a uma fachada de catedral ou ao corpo de uma guitarra. Enquanto se erguiam iPhones e máquinas fotográficas para fixar o momento, a guitarrista ia cruzando curtos riffs e uma voz espectral debitando frases curtas, quase imperceptíveis, sobre o som de osciladores e os ritmos incertos, inquietos, vagamente hipnóticos, disparados por Ikue Mori.

Era um concerto sem ensaios prévios, sem rede, e isso, que representa um risco sempre fascinante, também obriga a aceitar os momentos de procura, a tentativa de encontrar um ponto de contacto entre voz, guitarra e electrónica. O resultado foi uma intensa sessão de hipnose, por vezes errática, com lampejos de rock exploratório, com Kim Gordon a extrair feedbacks da guitarra, a usar um fino cilindro para slide demoníaco, a lançar palavras que apanhamos em farrapos: "sleepwalking" e a guitarra zumbindo enquanto um insecto "cronenberguiano" (seria um insecto?) ocupa o ecrã em grande plano; "the west is the best" quase no final e as frases que Ikue Mori multiplicou em coro de espectros.

O espírito da no wave, na sua atitude confrontante, confundindo e provocando o público, esteve presente no concerto. Mas não foi, não podia ser, um verdadeiro confronto. Antes uma experiência que cativou e, sem deslumbrar, inebriou a espaços. Não podíamos perder a oportunidade de ver Gordon. Vimo-la.

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