Aí vem ele outra vez (nasce, renasce: decida-se duma vez, homem), o fenómeno internético por excelência. Christopher Nolan e o seu Batman. Na Internet há multidões que juram que isto é o fim da história do cinema, que tudo o que aconteceu desde os Lumière foi mero preparativo para a chegada do Messias Nolan: com ele, o cinema cumpre-se. Defendem estas ideias com zelo paramilitar, digno dumas SA: deitam abaixo servidores, ameaçam fisicamente os críticos menos entusiastas (aconteceu na América). Terão o zelo e terão os números, mas estão enganados. Nolan é nulo, só fez um filme decente na vida, o Insomnia com Al Pacino e a noite branca do Alaska. Quanto a Batman, só há registo de ter originado dois bons filmes - e ambos foram dirigidos por Tim Burton, há coisa de vinte anos.
Insuportável pastelão, este Cavaleiro das Trevas Renasce. Parece que Bruce Wayne, o Batman (Christian Bale), está a sofrer muito, por causa de algo que lhe aconteceu no episódio anterior, e já não quer ser mais o Batman. Mas há uma cidade inteira, Gotham, que se sente órfã do seu super-herói, e mais ainda quando a baixa da cidade - tipo Wall Street - é ocupada por um grotesco vilão, híbrido de Bin Laden, um wrestler e Darth Vader, que quer “devolver a cidade ao povo”. Vai daí, o Batman lá se decide a renascer.
Tem havido conversa sobre o subtexto político de O Cavaleiro das Trevas, que é “fascista”, que associa o Occupy Wall Street às forças do Mal. Que não é um filme da extrema-esquerda carpenteriana (tipo They Live), isso é evidente. Mas a questão é irrelevante -a tentação do fascismo é um velho tema do universo dos super-heróis, e a resposta perante essa tentação sempre definiu os heróis e os vilões. Continua a ser o caso, apesar daquela frase, repetida duas vezes no filme e incontestada como “lição”, sobre o momento em que “as regras se tornam um espartilho” (podia vir do Dirty Harry, se não houvesse subtileza no Dirty Harry).
Mas isto ainda é a conversa interessante que se pode ter sobre O Cavaleiro das Trevas Renasce. É que não há mais nada. Não-personagens, meros estereótipos habitados por actores; cenas de acção com muito barulho e luzinhas a piscar e nada de especial (20 por cento do filme), e no resto penosos diálogos resolvidos em fastidiosos campos/contracampos (80 por cento do filme); a utilização da música é enervante, substituindo-se ao ritmo visual (que não existe) e marcando por antecipação o tom da cena a seguir (“tã tã tã tã: eh lá, agora vai acontecer qualquer coisa”); não há qualquer espécie de relação com cenários, com corpos, nada, vai tudo a trouxe-mouxe, embrulhado numa solenidade “metafísica” de fazer bocejar o mais cafeínado. O filme acaba a prometer novos “renascimentos”, mormente o de Robin, mas a única coisa que tem alguma graça, alguma leveza, é a proto-Catwoman de Anne Hathaway.Correcção: onde se diz que "a tentação do fascismo é um velho tema do universo da Marvel" deve ler-se "a tentação do fascismo é um velho tema do universo dos super-heróis". Se o Batman é originário da Marvel, ou da DC Comics, é absolutamente irrelevante para a ideia em questão. (Luís Miguel Oliveira)