O “PreZidente da República de Kazantip” — como se auto-intitula o principal responsável de um festival que pretendia funcionar como um “país” independente com reis e governo — fugiu. Após uma tentativa de “golpe de estado”, ameaças de pancadaria e complicações com as leis locais, a curta estadia em Portugal do suíço Roland Stach, de 50 anos, acabou como o festival — em polémica.
O festival mais longo do mundo — que na Ucrânia ficou conhecido como o festival das orgias — e em Portugal prometia cinco semanas de música electrónica nas margens do Alqueva, encerrou ao terceiro dia. Os salários dos artistas ficaram por pagar, os fornecedores prejudicados, os participantes sem festival e até outros membros da organização ficaram de mãos a abanar.
Stach partiu rumo à Suíça e nada mais se sabe dele. Pelo caminho ainda apagou a conta de Facebook do Festival, emails da organização e qualquer outro registo. Sobrou só a página do festival — à qual nenhum outro membro da organização tem acesso — com um comunicado, não assinado, explicando o porquê do encerramento do festival, alegadamente por falta de licenças.
Um membro da organização, que pediu para não ser identificado, declarou ao PÚBLICO que “o Roland foi mesmo ameaçado de violência física por outros organizadores e fugiu. Não ia haver dinheiro para pagar a ninguém, pois o festival não estava a dar lucro.”
Na manhã de dia 21 de Julho, o Kazantip foi alvo de uma inspecção da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), um procedimento comum em qualquer festival de Verão. A acção detectou que nem tudo estava de acordo com a legislação. Havia duas irregularidades menores: a ausência de livro de reclamações na entrada do festival e a falta de licença para a água dos chuveiros e casa de banho.
Apesar destas infracções, o festival poderia realizar-se tendo de pagar somente uma pequena multa. Contudo, uma infracção mais grave fechou as hipóteses de sucesso ao festival. O licenciamento pedido pela Câmara de Moura para a zona de restauração estava incorrecto, segundo o comunicado disponível na página do festival.
Com esta limitação, o festival ficou impossibilitado de comercializar alimentos e bebidas no espaço, pelo que a organização ficou proibida de cobrar entradas. “Existiam planos de emergência para outras falhas, mas a organização não contava que fosse pela alimentação que lhe cortassem os pés”, pode-se ler no comunicado disponível na página do festival.
Mesmo nestas condições, o Kazantip continuou em funcionamento por mais dois dias. Ao terceiro dia, começaram a surgir conflitos com e entre os festivaleiros. O problema de não haver bebidas nem alimentos no local estava a ser aumentado exponencialmente pelas temperaturas que se faziam sentir.
Grandes doses de álcool
Os “súbditos” viam-se obrigados a percorrer todos os dias um trajecto de 30 minutos de autocarro para ir buscar alimentação aos minimercados locais. No entanto, também começaram a trazer “grandes doses de álcool.” No dia 23 de Julho, a GNR de Moura teve de ser chamada ao local.
Quatro festivaleiros andavam a “pilhar” tendas e a ameaçar membros da organização do festival. “Esses quatro indivíduos foram detidos para identificação e depois saíram em liberdade pois ninguém apresentou queixa”, declarou Filipe Alexandre Costa, da GNR. Após esta ocorrência, os membros da organização decidiram encerrar o festival.
Foi quando Roland atirou a toalha ao chão, fez as malas e fugiu para a Suíça. A câmara de Moura, em resposta às acusações da organização, divulgou um comunicado onde declara que “na sequência da intervenção da ASAE no recinto do festival, no dia 21 de Julho, a Câmara Municipal de Moura disponibilizou-se a resolver de imediato eventuais problemas suscitados pelas dúvidas levantadas sobre o regime de licenciamento adoptado.”
A área de quase um milhão de metros quadrados onde ia decorrer o festival ficou agora ao abandono com os palcos montados para o que seria um dos maiores festivais do mundo a acontecer pela primeira vez em Portugal.
Às pessoas que tinham ido trabalhar para o festival foi dado um bilhete de autocarro de regresso a casa, sem qualquer pagamento pelos serviços prestados. Ainda se estão a fazer contas do valor real que ficou por saldar. A polémica com o festival já tinha começado há algum tempo.
Desde 6 de Fevereiro que o Ministério Público tem em curso uma investigação. Na origem está um vídeo que circula pela Internet, alegadamente filmado numa das edições anteriores do KaZantip na Ucrânia, onde se vê uma criança envolvida numa cena de sexo oral ao vivo.
Na véspera do festival, o Departamento de Investigação e Acção Penal declarou que o processo estava “na fase de inquérito, ou seja, de recolha de prova em ordem ao apuramento dos factos e das responsabilidades penais”. Na Ucrânia, o KaZantip foi obrigado a encerrar após diversas acusações de pedofilia.