Um exemplo de sucesso em tempo de crise

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A Quinta do Crasto cresceu para o Douro Superior e soma já 170 hectares de vinhas próprias. Da nova Quinta da Cabreira já começaram a sair vinhos com a marca do lugar, mais mediterrânicos. Mas o sucesso da casa continua a assentar nas vinhas velhas que possui na sub-região do Cima Corgo. Pedro Garcias

Manhã cedo, o Douro corre com a mesma serenidade, o mesmo silêncio de abandono que se sente na estação do Ferrão. Já não há mais palavras para falar da degradação que tomou conta de muitas estações e apeadeiros da Linha do Douro. Durante muito tempo, o Ferrão serviu várias aldeias, hoje funciona quase como estação privada de algumas quintas, em particular do Crasto e da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo.

Tomás Roquette e Pedro Almeida, primos e sócios na Quinta do Crasto, atravessam a estação vazia e pilhada com um sentimento de revolta e vergonha. "Vou falar com a Luísa Amorim [da Quinta Nova] para pintarmos isto. Até aparece mal", diz Tomás, enquanto aguarda pelo comboio que nos levará até ao Pocinho, onde a linha termina e começa o novo íman da viticultura duriense. É a última fronteira do Douro, a mais árida e inabitada, mas, nos últimos anos, o que era uma mancha quase selvagem tem vindo a ser ocupada por novas e grandes quintas.

A proximidade do rio, a orografia menos acidentada, com encostas mais suaves e vales menos encaixados, e a disponibilidade de terrenos têm atraído importantes produtores nacionais e internacionais. Nos últimos anos, instalaram-se na margem esquerda do rio Douro, entre Barca de Alva e o Pocinho, a Quinta do Crasto, a Quinta do Vallado, o produtor de Bordéus Jean-Michel Cazes (proprietário do famoso château Lynch-Bages), o projecto Duorum (de José Maria Soares Franco e João Portugal Ramos) e um investidor angolano. Juntaram-se a outros produtores de renome, como a CARM e a Sogrape, que possui na mesma zona as fantásticas quintas da Leda e da Granja.

Dos novos "pioneiros", a família Roquette foi a primeira a chegar. Na Quinta da Cabreira, que ergueu de raiz, possui já 100 hectares de vinha nova, que se juntam aos 70 hectares da Quinta do Crasto. É uma dimensão de peso para a média do Douro. Para além de permitir expandir o negócio, a Quinta da Cabreira garante diversidade de uvas. O Crasto já tinha vinhas velhas e a frescura do Cima Corgo, agora pode complementar a produção com uvas mais maduras do Douro Superior.

Sob a enologia de Dominic Morris e Manuel Lobo, o negócio corre bem. Com o consumo interno em retracção, a alternativa para muitos produtores tem sido exportar a todo o vapor. Mas, apesar da crise, a Quinta do Crasto tem aumentado as vendas no mercado externo e nacional. Não há muitas empresas que se possam gabar do mesmo.

Qual é o segredo? Agressividade comercial, elevada notoriedade e muita consistência e qualidade nos vinhos. "Muita gente pensa que somos ricos, mas trabalhamos muito", enfatiza Tomás Roquette, um dos rostos do grupo Douro Boys.

Tomás representa a quarta geração da família ligada ao Crasto. Comprada no início do século XX por Constantino de Almeida (o fundador dos vinhos Constantino), a quinta passou em 1923, após a morte deste, para a posse do filho, Fernando Almeida. Em 1981, Leonor Roquette (filha de Fernando Almeida) e o marido, Jorge Roquette, assumiram a maioria do capital, mantendo na estrutura accionista outros herdeiros, representados por Pedro Almeida.

Com a gestão dos Roquette, o Crasto não mais parou de crescer e de se afirmar no panorama nacional e internacional. A empresa foi das primeiras da região a perceber o enorme potencial das vinhas velhas. A fama da quinta tem sido, de resto, cimentada na qualidade de alguns vinhos provenientes de vinhas muito antigas (algumas com mais de 100 anos), como o Vinha Maria Teresa, Vinha da Ponte e Quinta do Crasto Vinhas Velhas - as principais referências da casa.

Para conhecer ainda melhor este património vitícola, a Quinta do Crasto tem em curso um projecto de referenciação de todas as vinhas velhas. A ideia é fazer o levantamento genético das plantas existentes, videira por videira, para, entre outras coisas, poder ir repondo as falhas com as mesmas variedades, já devidamente adaptadas. O sucesso não nasce por acaso.

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