Pelo Mediterrâneo com o fado de Amália e a bênção de Sophia Loren
É a jóia da coroa MSC. O último navio da classe Fantasia, que se apresentou em Lisboa durante a sua viagem pré-inaugural, vive o seu primeiro Verão. A Fugas saltou a bordo e dá-lhe a conhecer este Divina que, em breve, também terá o Funchal como porto. Carla B. Ribeiro (texto) e Miguel Manso (fotos)
Por todo o navio soa A Marselhesa. À vista, os contornos da costa da Riviera francesa, cujas cores arenosas contrastam com o azul plácido do Mediterrâneo. O navio ressoa, uma e outra vez, o grave apito, acusando a satisfação que se estará a viver na ponte ao avistar o primeiro porto de destino.
Cá em cima, a emoção não é menor: vários cruzeiristas erguem-se para acompanhar a letra do hino gaulês - "Allons enfants de la patrie, / Le jour de gloire est arrivé!". Já não estão deitados ao sol nem têm brincadeiras animadas ou aulas de aeróbica para participar. Salvo raras excepções, e embora as temperaturas andem pelos 25º, estão vestidos da cabeça aos pés e de malas de mão em riste. Tal como eles, também os refrescantes jogos de água que animaram a piscina nos últimos dias calaram-se e as bandejas já não passam a abarrotar de bebidas coloridas, decoradas com cerejas escarlate e chapéus de sol.
É o fim da viagem pré-inaugural do novo navio cruzeiro da MSC que Lisboa conheceu esta Primavera: o Divina esteve apenas umas horas no porto de Santa Apolónia, onde a Fugas embarcou, mas o seu grande porte marcou a vida pelo estuário. O que nem é de espantar: o navio mede 333,3m, o que equivale ao comprimento de uns três campos de futebol, e tem uma altura de quase 67m e 13 decks para passageiros (os primeiros quatro acomodam os bastidores do navio e os aposentos da tripulação). Mas, se por fora chama à atenção, por dentro revela-se um mundo.
Uma bolha por onde se passeiam, entre cruzeiristas e tripulantes, cerca de quatro mil pessoas, com a língua francesa a marcar o tom - o navio saiu dos estaleiros de Saint Nazaire com Marselha como destino, onde o esperava uma cerimónia de baptismo com a presença de vários notáveis, entre os quais a madrinha Sophia Loren.
Já entre os tripulantes, o melting pot linguístico é mais vasto: italianos, brasileiros, ucranianos, indonésios, madagascarenses. Como o cabinista do 10.º deck, onde nos aguarda um camarote que se divide entre uma área de dormir e outra de estar que se prolonga para uma varanda sobre o mar. Poucas vezes o vemos - e das vezes em que nos cruzámos, a barreira linguística levou-nos a trocar sorrisos, alguns gestos e pouco mais -, mas sabemos a todo o instante que anda por aquele corredor, espreitando cabina a cabina, para assegurar que está tudo no sítio: cama feita, roupas arrumadas, toalhas penduradas. Até os papéis de trabalho formam um montinho perfeito.
O serviço por todas as áreas revela-se, aliás, diligente: desde os balcões de recepção até aos restaurantes e bares, há sempre alguém pronto a atender um pedido (e, por vezes, até em português, língua que continua de fora dos cardápios ou dos manuais de instruções). Como à beira da piscina principal, onde se juntam algumas centenas de pessoas assim que o navio zarpa de qualquer porto.
Animação ao ar livre
Saímos de Lisboa com os termómetros a marcarem uns 14 graus. Mas há quem não mostre receio de mergulhar na piscina (que, como as outras três, é de água salgada) e aproveitar os poucos raios de sol com que a capital lusa se despede. Enquanto isso, bem no centro do deck de ar livre, um animador ensaia passos ao ritmo de bebidas alcoólicas: gin para a esquerda, whisky para a direita. Mulheres e homens, entre os 20 e os 80 anos, juntam-se a ele numa animada e barulhenta folia. Dos bares vão saindo sumos naturais, margaritas e mojitos (além de outros cocktails quase impronunciáveis).Não é necessário, porém, estar no centro da diversão para apreciar o ar livre. Na popa do navio, uma pequena piscina que dá a ilusão de horizonte infinito - mas apenas quando se navega em alto-mar; acostado, o nível de água baixa e a piscina infinita transforma-se num decepcionante tanque - serve de escape a muitos, que preferem um ambiente menos barulhento. Com menos ruído, é certo, mas com tanta gente que os sons zen emitidos das esculturas que decoram o espaço se tornam inaudíveis. Ainda assim, alheados de tudo à volta, um mergulho na água quente e salgada que parece cair sobre o mar é revigorante o suficiente para se considerar esta uma aposta ganha.
Já no coração do navio, é todo um outro mundo que se vive: um mundo onde quase não entra luz natural, mas no qual não faltam brilhos - a começar pela escadaria feita de cristais Swarovski. Mais de 5000€. Será esse o valor de cada degrau que vai sendo pisado e repisado, iluminando tudo à sua volta. As escadarias vão ter à zona de balcões, onde um piano vai dedilhando notas dia e noite e onde se vão sucedendo encontros: de manhã para rumar à descoberta dos portos de escala - no nosso caso, Cádis, Gibraltar, Valência -; à noite, para uma bebida antes do jantar ou de rumar ao Pantheon Theater que, com capacidade para 1600 pessoas, noite após noite, em duas diferentes sessões (19h30 e 21h30), vai oferecendo diferentes espectáculos: há mimos e palhaços, ilusionistas e muita música, como no show de tributo a Michael Jackson que promete lotar consecutivamente a sala, tal como na semana de pré-inauguração.
Mediterrâneo à mesa
Se há algo que depressa se compreende à mesa é estar-se a bordo de um navio de uma companhia italiana. A cozinha mediterrânica dá cartas e, em quase todos os restaurantes, as pastas, as pizzas ou o risotto são estrelas. Como nos três espaços cujas refeições estão incluídas no pacote: tanto no buffet, no 14.º deck, com vista panorâmica e com saída para a piscina, como no Black Crab, que se espraia entre o 5.º e o 6.º decks, há um verdadeiro festim sensorial de manhã à noite (no Villa Rossa, que não experimentámos, beneficia-se de vista panorâmica e é necessário reservar mesa). Das cores aos cheiros, até os olhos comem.Mas há outras opções gastronómicas: os amantes de pizzas têm um espaço próprio, a Cantina di Baco, e com preços módicos (uma pizza, de tamanho médio, varia entre os 3,50€ e os 5€); refeições leves, mas requintadas, podem ser encontradas no Galaxy que, à noite, se transforma em discoteca. Quem prefira os sabores condimentados da comida mexicana pode encontrar uma série de pratos típicos (enchiladas, fajitas, burritos, tacos...) ou mesmo suculentos bifes e comuns hambúrgueres no Sacramento Tex Mex.
Seria aqui que nos cruzaríamos com a dupla a dar música num dos vários bares que animam os serões: "Portuguese?", pergunta a vocalista, que se queixa de estar com a voz péssima. "I only know this in Portuguese." E, com pronúncia intocável, canta o poema de Amália Rodrigues: "cheia de penas / cheia de penas me deito". Devolveríamos a gentileza ao acompanhá-los, letra a letra, em Cielito lindo.
Com as cantorias afinadas, seguimos caminho para um dos espaços que vai reunindo consenso a qualquer hora do dia. A Piazza del Doge reproduz uma típica piazzetta veneziana onde se destacam os gelados e verdadeiros mimos de pastelaria. E, embora durante a viagem pré-inaugural o tecto se tenha mantido azul, a promessa é de que mude de tonalidade conforme a hora do dia.
À sua volta, uma série de lojas vão montando banquinhas de venda: perfumes, jóias, relógios, nos últimos dias a metade do preço. Num dos cantos, o Cigar Lounge, com janelas em forma de gigantescas escotilhas, é ponto de refúgio de fumadores - é ainda permitido fumar no Casino ou no 14º deck a bombordo.
Antes de regressar ao conforto e silêncio de cada camarote, há ainda uma panóplia de bares para conhecer. De ambientes diferentes, apostam em agradar ao maior público possível: entre outros, há bar desportivo com pista de bowling e um bar dançante que oferece a cada noite uma diferente festa temática. À noite de personagens animadas não faltaram Mickey, Popeye ou até Jessica Rabbit - os animadores do navio, fantasiados, vão ocupando a pista de dança com passageiros (e até distraindo os mais pequenos enquanto os pais dançam ao som de merengue ou salsa). E na noite do amor vimos noivas e cupidos.
Aliás, o filho de Vénus e Marte terá andado mesmo ocupado, a julgar pela dramática e apaixonada despedida entre dois jovens cruzeiristas, que testemunhámos, qual cena cinematográfica, enquanto o navio beijava o cais de Marselha.
A Fugas viajou a convite da MSC Cruzeiros
Ficha técnica
Nome: MSC Divina
Classe: FantasiaComprimento: 333,3m
Largura máxima: 38m
Altura máxima: 66,8m
Decks: 18 (13 para passageiros)Capacidade máxima: 3959
Tripulação: 1370