Na Coreia do Sul, o tiro com arco é quase uma arte marcial

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Im Dong Hyun durante a prova em que bateu o recorde mundial

Num evento como os Jogos Olímpicos, o acaso tem pouca ou nenhuma influência no desfecho das provas. E quando o assunto é tiro com arco, com Coreia do Sul à mistura, a discussão passa para o patamar da ciência. O recorde mundial batido ontem por Im Dong Hyun (ver caixa ao lado) mais não é do que a consequência natural de uma filosofia de treino e de auto-superação que vai muito para além dos tradicionais cânones do comum dos desportos.

O tiro com arco está para os coreanos mais ou menos como o futebol está para os portugueses. A introdução à modalidade começa na escola, onde é desde logo feita uma triagem, que origina que os alunos mais talentosos sejam submetidos a um regime de treino de duas horas por dia. São esses que as grandes empresas nacionais vão recrutar mais tarde, já em idade adulta, para reforçarem as suas equipas.

São, curiosamente, as multinacionais e os grandes empresários a força propulsora da modalidade, ao contribuírem com cerca de 70% das verbas que entram anualmente nos cofres da federação. Tudo com o intuito de manterem nas suas fileiras os melhores arqueiros do país, conduzindo, ao mesmo tempo, a uma política que inflaciona o número de atletas de elite.

Mas este modus operandi não explica tudo. O sucesso dos arqueiros coreanos radica, essencialmente, no cada vez mais aperfeiçoado processo de treino e no trabalho psicológico invisível que visa retirar pressão aos atletas. Para termos ideia do que está em causa, bastará dizer que actividades como bungee-jumping, saltos para a água ou sessões de trabalho em estádios de beisebol a rebentar pelas costuras fazem parte do programa de preparação.

"É importante que os métodos de treino estejam constantemente em mutação. Comecei a trabalhar de perto com o Departamento de Ciência do Desporto em 1983 para melhorar o mais possível a técnica dos nossos arqueiros", explicou à BBC Kisik Lee, treinador da equipa coreana desde 1981 até 1997.

O retrato traçado por Don Rabska, uma das referências do tiro com arco nos EUA, ajuda a perceber melhor o grau de profissionalismo que rodeia a modalidade na Coreia. "Eles abordam o tiro com arco como uma arte marcial. Primeiro passam meses a estudar a posição do corpo, depois mais uns meses a aprender a levantar um braço, a seguir os dois braços", explicou à agência Reuters. "Os miúdos têm seis meses de treino intensivo antes de dispararem a primeira flecha", acrescentou.

Num patamar mais avançado, são utilizadas também diferentes técnicas de visualização, como atirar de forma virtual (sem flechas) e calcular a hipotética pontuação, prática a que se segue uma nova ronda, desta vez nos trâmites normais.

Kim Soo Nyung, detentora de quatro títulos olímpicos e de outros quatro mundiais durante a carreira, é a imagem perfeita do sucesso desta filosofia. "Os arqueiros são preparados e condicionados mentalmente para um alto nível competitivo", explicou à BBC Sport.

O somatório de todas estas variáveis tem afirmado a Coreia do Sul como uma espécie de farol pelo qual se guiam todos os adversários. Percebe-se porquê: no total, o país soma 30 medalhas olímpicas (16 de ouro) e detém 12 recordes dos Jogos.

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