Negociações entre a Cosa Nostra e o Estado chegam finalmente a tribunal
20 anos depois do assassínio do juiz Borsellino, começa em Palermo processo sobre conversações na época para travar atentados
Há algum tempo que os rumores estavam confirmados. No início dos anos 1990, o Estado italiano negociou com a máfia siciliana para tentar travar uma campanha de assassínios e atentados. Esta semana arrancou em Palermo o julgamento que poderá ir ao fundo de suspeitas com 20 anos, tantos como os que passaram desde o assassínio de Giovanni Falcone, seguido, dois meses depois, pela bomba que matou Paolo Borsellino, outro juiz envolvido no Mãos Limpas, a investigação que então já denunciara as ligações entre a máfia e a política e provocaria a implosão do sistema partidário de Itália.
São 12 os acusados no julgamento agora iniciado, incluindo dois temidos chefes mafiosos, Luca Bagarella e Giovanni Brusca (condenado assassino de Falcone) e o ex-presidente do Senado (segunda posição do Estado) Nicola Mancino, que era ministro do Interior no período investigado.
Mancino, membro da Democracia Cristã, o partido que dominava a política no país antes do terramoto da operação Mãos Limpas, é suspeito de ter escondido provas que confirmam a existência das negociações. Recentemente, soube-se que telefonou ao Presidente, Giorgio Napolitano, pedindo-lhe ajuda para travar os procuradores que o pressionavam - as conversas foram escutadas e o chefe de Estado tem exigido que sejam apagadas.
As investigações mais recentes de várias procuradorias da Sicília, que envolveram a libertação de sete mafiosos condenados, indicam que sectores do Estado "teriam atraiçoado os juízes [Falcone e Borsellino] ao ponto de permitir que a Cosa Nostra os assassinasse", escreve o El País.
Há anos que vários magistrados e familiares dos juízes assassinados insistem que Borsellino foi morto por se opor a negociações - há indícios de que estas teriam começado em reacção à morte de Falcone.
Outros dos acusados é Marcelo Dell"Ultri, ministro da Defesa do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi e co-fundador do seu primeiro partido. Dell"Ultri, que já viu anulada em recurso uma condenação a sete anos de prisão por cumplicidade com a máfia, é acusado de ter sido "autor de um acordo de protecção entre Berlusconi e a máfia". Berlusconi surge como "vítima que agiu por necessidade" e "pagou somas consideráveis pela sua segurança e pela segurança da sua família". Na época, as máfias raptavam com frequência pessoas ricas ou os seus filhos.
A filha do magnata, Marina Berlusconi, presidente do grupo empresarial da família, já foi ouvida enquanto "vítima e pessoa com conhecimento dos factos", disse à imprensa o advogado Niccolo Ghedini.
Berlusconi e Dell"Ultri criaram o Força Itália nos últimos meses de 1993. No anterior processo de Dell"Ultri, um ex-Cosa Nostra arrependido, Gaspare Spatuzza, afirmou que os atentados que o seu chefe (Giuseppe Graviano) lhe encomendou em 1993 pararam quando este lhe disse que já tinham o país nas mãos: "Dell"Ultri e Berlusconi são pessoas sérias, e não como os inúteis socialistas que apoiávamos antes".