Presidente do BESI presta esclarecimentos ao Banco de Portugal
Escutas efectuadas no quadro da operação Monte Branco, que envolve fraude fiscal e branqueamento de capitais, desembocaram em buscas ao BESI, à Caixa BI e à Parapública
José Maria Ricciardi, presidente do BESI, esteve no Banco de Portugal, na sequência das buscas realizadas pelo Ministério Público (MP) à instituição, no quadro do processo Monte Branco [fraude fiscal e branqueamento de capitais] - daí resultou a apreensão de documentos de vários quadros do banco de investimento relacionados com as privatizações da EDP e da REN que renderam ao Estado 3,3 mil milhões de euros.
Nas horas que se seguiram à intervenção do MP, segunda-feira, Ricciardi solicitou uma reunião com o governador do BdP, para lhe dar conta das movimentações e prestar esclarecimentos sobre os factos que estão a ser averiguados.
Antes de ir "visitar" o BESI, o MP já tinha ido, na semana anterior, à Caixa BI e à Parpública, que representa o Estado nas privatizações. De acordo com a imprensa, os mandatos de busca às três instituições estavam sustentados na suspeita da prática de crimes de fraude fiscal qualificada, tráfico de influências, corrupção e abuso de informação privilegiada.
A acção dos investigadores teve origem numa escuta telefónica a Ricciardi, que terá envolvido altos responsáveis da Caixa BI, e que levantaram suspeitas de existência de um conhecimento prévio das propostas concorrentes às privatizações da EDP e da REN, o que poderia indiciar interacção sobre preços. O BESI foi o consultor dos grupos chineses Three Gorges (EDP) e State Grid, e a Caixa BI e a Perella apoiaram o Estado. Na Caixa BI, o interlocutor habitual de Ricciardi foi Jorge Tomé, então presidente da instituição (agora está à frente do Banif), que na Perella falava com Paulo Cartucho Pereira, o sócio português da sociedade norte-americana. As conversas acompanharam as privatizações e culminaram na venda de 21,35% da EDP à Three Gorges, em Dezembro de 2011, e na entrega de 25% da REN à State Grid, em Fevereiro deste ano. Foi precisamente entre Setembro de 2011 e Fevereiro de 2012 que Ricciardi terá estado sob escuta telefónica.
As grandes operações são habitualmente marcadas por múltiplos contactos entre partes de lados opostos. A tendência reforça-se na banca de investimento (que trata dos grandes negócios), que tem um historial de grande informalidade, um meio onde todos se conhecem. Trata-se, ainda, de um sector de forte mobilidade laboral: um dia o assessor financeiro trabalha numa sociedade, no outro já transitou para a rival. O mesmo se passa no universo dos clientes, que ora contratam um banco, ora mudam para o outro. Um quadro que facilita "o diálogo". E, nos bastidores das grandes operações, há sempre movimentações com as partes (assessores financeiros/advogados/lobistas) a tentarem influenciar o preço. Um método conhecido por "bluff negocial": o lado vendedor puxa o preço para cima, como lhe pede o cliente; o lado comprador tenta minimizar o valor a pagar.
É neste contexto que os investigadores procuram, entre outras coisas, apurar se as regras dos concursos de venda da EDP e da REN foram respeitadas e se os processos foram transparentes. Ou seja: se o vendedor, quer em termos de informações, quer no método negocial, deu igual tratamento aos vários candidatos.
Para haver manipulação da cotação da acção EDP, era necessário que o preço efectivo tivesse sido manipulado, o que é um crime autónomo e da responsabilidade da CMVM. Nesta privatização as propostas são entregues fechadas e abertas em simultâneo.
O resultado de uma negociação não é neutro do ponto de vista dos assessores financeiros e quanto mais alto for o valor da transacção, maiores são as comissões cobradas. A venda da REN e da EDP aos chineses rendeu ao erário público 3,3 mil milhões de euros (mais 600 milhões do que as ofertas rivais) e o Estado pagou em comissões à Caixa BI e à Perella (pelos seis meses de trabalho), 15 milhões de euros de comissões repartidas pelas duas empresas.
O PÚBLICO não conseguiu apurar se as diligências judiciais se estenderam à Perella, que tem sede nos EUA. Isto, porque, no seu comunicado, o MP não faz qualquer referência ao papel dos advisers dos grupos que disputaram as acções da EDP e da REN (mas fez buscas ao BESI), embora mencione que "pretende esclarecer e investigar" a "intervenção e conduta" de "alguns assessores financeiros do Estado". E explicou que a sua acção decorreu "no âmbito" do processo Monte Branco.
Este dado tinha sido já referido, a 24 de Maio, pela Visão quando noticiou que Ricciardi (e Ricardo Salgado) tinham sido escutados no quadro desta operação. Na altura, o BES garantiu não existir qualquer ligação dos seus dirigentes à gestora de fortunas suíça Akoya, de Michael Canals, o principal implicado no processo Monte Branco. Sábado passado, Ricciardi disse ao Expresso: "Não sei se fui escutado ou não. Qualquer cidadão só pode ser escutado quando houver fortes indícios de envolvimento num determinado assunto e com autorização de um juiz." "Não conheço aqueles senhores [Canals], nunca os vi, mas até os podia conhecer e não ter cometido nenhuma ilegalidade", explicou.
A 19 de Julho, a Sábado revelou que o MP "recolheu fortes indícios de que a Akoya geria contas bancárias de sociedades suspeitas de terem comprado milhões de euros em acções da EDP e da REN feitas com dinheiro escondido do fisco português". As transacções envolveram sociedades com sede fora de Portugal e cujos "beneficiários eram pessoas muito próximas" de quem tinha acesso aos dados confidenciais (critérios de decisão e ao conteúdo de várias propostas de concorrentes) das duas privatizações. Este poderá ser um terceiro dossier.
O MP fez questão de referir que o sentido da decisão final assumida naquelas privatizações "não estava em causa".