Comédia romântica com urso estroina lá dentro

Há um par de coisas (não são essas em que estão a pensar) que projectam Ted para lá da simples piada, da novidade do filme com o urso de peluche que ganha vida e dá num estroina de primeira. A primeira é gloriosa: Ted, cuja voz pertence ao realizador e co-argumentista Seth MacFarlane (criador da série de animação Family Guy), é mesmo uma personagem de corpo inteiro, que existe ao mesmo nível de todas as outras deste filme (ou até mais do que a maioria das outras, vista a sua complexidade emocional). A segunda é não menos gloriosa: começar Ted como a “história de encantar” do ursinho que ganha vida para ser o amigo do menino solitário, com o desejo mágico e a estrela cadente tão típicas do universo Disney ... e preferir instalar-se inteiramente no quotidiano inescapável que acontece depois do “viveram felizes para sempre” na Boston de classe operária onde o estádio de Fenway Park é uma catedral. É que isto das histórias de encantar, aqui entre nós, é uma história de meninas, e Ted é um urso muito macho.

Resolve-se nisto, então, a “esquizofrenia” amável de um projecto que não se resume facilmente: à superfície, Ted é uma comédia romântica nos moldes Apatowianos actuais (ver: Virgem aos 40 Anos, Um Azar do Caraças, Um Belo Par de Patins) sobre um casal (Mark Wahlberg e Mila Kunis) que enfrenta uma crise de crescimento, só que com urso ao barulho pelo meio. Mas, no fundo, Ted é também um filme de um maravilhoso que se dilui no quotidiano sem nunca perder a sua potência, remetendo para o cinema americano dos anos 1980 como apenas Super 8 de J. J. Abrams o fez recentemente. Com a diferença de que, onde Abrams era reverente face ao modelo Spielberg, MacFarlane entra por uma estética mais meta-referencial da cultura pop dos anos 1980, que homenageia e parodia ao mesmo tempo (aqui, o mote recorrente é o Flash Gordon de Mike Hodges, produzido em 1980 por Dino de Laurentiis).

É capaz de ser muita coisa para um só filme: durante a maior parte da sua duração Ted podia ser Eu, Tu e o Emplastro (para melhor) com o urso a fazer de emplastro, no último terço guina para um policial deliberadamente incompetente; nunca perde a incorrecção política do humor de MacFarlane mas também nunca abandona o desejo de ser levado a sério como uma espécie de Spielbergada com bocas ordinárias; ora parece uma comédia televisiva melhor do que a média, ora joga com todos os lugares-comuns da comédia cinematográfica para melhor os desmontar. E, pelo meio disto, essa vontade de ser tudo ao mesmo tempo agora dá a Ted um charme e uma personalidade bem particulares, que fazem com que o filme resulte para lá do simples gague do urso maroto.

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