Igespar vai classificar palácio de Braga que a princesa Diana, afinal, nunca comprou
O "Palácio D. Chica", uma obra revivalista do início do século XX, ficou há muito devoluto. Só está cheio de mitos e lendas
O divórcio entre os príncipes de Gales andava nas bocas do mundo e Braga também tinha um capítulo para acrescentar à história. Dizia-se que Diana queria comprar um palácio às portas da cidade, na freguesia de Palmeira. Corria o rumor de que Lady Di se tinha encantado por esta propriedade do início do século XX, o "Castelo" ou "Palácio D. Chica". Nunca ninguém confirmou esta história, que é ilustrativa da relação da população com a propriedade: A falta de informação sobre o local alimenta os mitos e lendas que proliferam sobre o imóvel, cuja classificação acaba de ser proposta pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar).
A tal história que tem Diana por protagonista conta que a princesa de Gales terá visitado incógnita o Norte de Portugal em meados dos anos 1990. Depois de uma viagem à Peneda-Gerês, e no regresso ao litoral, a princesa teria decidido que queria viver em Portugal, algures entre a montanha e o mar. Pedira sugestões e alguém lhe mostrara fotografias do Palácio D. Chica, a cinco quilómetros de Braga. Diana terá ficado fascinada. E o negócio estava pronto a concretizar-se, dizia-se por ali, por um valor bem redondo: um milhão de contos (cinco milhões de euros).
Este é um mito que nunca foi confirmado, e é mesmo pouco provável que tenha algum fundo de verdade. Porém, em Braga, ainda se sorri quando o assunto é a compra do palácio "pelos ingleses". "Dizia-se que vinha para aí a princesa", afirma, Joaquim Pereira, que trabalha junto ao palácio.
A morte de Diana, em 1997, não acabou com os mitos em torno do Palácio D. Chica. O "milhão de contos" sofreu uma acentuada erosão cambial nas conversas populares e hoje passou a apenas a "um milhão de euros". É esse o preço que, dizem no café mais próximo, a Caixa Geral de Depósitos pede pelo imóvel. Só que o banco público já não é, há vários anos, proprietário do palácio. Nada que impeça a informação de continuar a circular. O imóvel foi comprado há cerca de dois anos por um empresário do ramo do imobiliário, que quer recuperá-lo para acolher ali casamentos, festas e jantares.
O nome oficial da propriedade é Villa Rego, mas popularmente todos a conhecem como "Castelo" ou "Palácio D. Chica", sendo também referido, por vezes, como "Castelo de Palmeira". O edifício começou a ser construído em 1915, segundo projecto de Ernesto Korrodi, arquitecto de origem suíça que, nos finais do século XIX, veio viver para Portugal. Braga foi a primeira cidade onde deu aulas de desenho, assinando na mesma altura a casa do Castelo, no Bom Jesus, e o palacete de Domingos Afonso, no centro da cidade.
Novo-riquismo
O Castelo D. Chica tem quatro pisos e uma diversidade de estilos. Nos traços de neogótico, neoárabe e "rústico", Korradi misturou materiais nobres e outros mais populares, num exercício revivalista do romantismo, à medida do novo-riquismo dos proprietários. A torre e o telhado verde, ao jeito da art nouveau, tornam-no ainda mais marcante. Além do edifício, a propriedade tem um extenso jardim, com plantas de várias proveniências, bem como um conjunto composto por um lago e uma gruta com estalactites artificiais.
Este mês, o Igespar concluiu o processo de classificação iniciado em 1983 - e que esteve praticamente parado até 2009 -, para que a propriedade seja considera Imóvel de Interesse Público.
Este palácio deve o seu nome popular a Francisca Peixoto Rego, filha de um bracarense emigrado no Brasil, de quem herdou grande fortuna. Voltou a Portugal em 1913 e o seu estilo de vida chocou a então pacata povoação. "Ela teve muitos problemas com o padre velho", conta José Costa, 84 anos. O pároco José Vieira da Costa, que ironicamente dá hoje nome a uma das ruas que circunda a propriedade, não gostaria das festas que ali se realizavam. D. Chica andava "com o corpo à mostra" e naquele tempo as mulheres queriam-se "tapadas até cima", lembra este habitante de Palmeira. José Costa nunca entrou no palácio, mas conta que tem 365 janelas "para a senhora poder olhar por uma diferente em cada dia do ano". Outro mito.
José Costa conhece de cor outras histórias que se contam sobre o palácio e D. Chica. Como a do regresso desta mulher ao Brasil, supostamente ditado pelos conflitos constantes com o padre de Palmeira, já nos anos 30. A história mais sustentada refere que Francisca deixou Braga depois de dois divórcios. E eis outra lenda já a assomar. Nessa altura, terá lançado uma maldição: "Anda castelo que nunca vais ser acabado ou habitado". Esta maldição, de tão repetida, levou alguns a acreditar na existência de assombrações na propriedade.
José Costa ajeita o boné de xadrez amarelo, antes de sentenciar. "As pessoas falam sempre, mas isso não é verdade". Mas não resiste a contar a sua própria história de terror. Tinha 20 e poucos anos, voltava a casa de madrugada depois de visitar um primo doente. E viu sair do palácio um "cão que parecia um touro". Era um demónio, garante. E vinha directo a si. Sentiu a vida ameaçada. Os olhos azuis crescem enquanto descreve como se atirou ao pescoço da besta e a deixou imóvel, apenas com a força das suas mãos. Desde então, evitou o Palácio D. Chica.