Sergei Loznitsa filma a energia do colectivo em Mixões da Serra
Sergei Loznitsa ri-se quando perguntamos como é que um bielorrusso da Ucrânia conseguiu apanhar a essência do Portugal profundo em O Milagre de Santo António, notável contribuição para o Curtas (última exibição hoje). "É muito simples: uma natureza fantástica, paisagens fantásticas, comida fantástica, vinho fantástico, um bife como nunca comi em lado nenhum... E quando se começa o dia com um pastel de nata ficamos logo bem-dispostos!"
O humor do cineasta contrasta com a impressão sisuda de formalismo imponente dos seus anteriores documentários e da ficção A Minha Alegria. Mas Loznitsa é o primeiro a admitir que, no documentário de 40 minutos que filmou em Mixões da Serra, no Gerês, durante as festas de Santo António, se deixou tocar pela vitalidade e energia destas celebrações populares. "Não posso controlar estas coisas", diz via assistente (improvisada tradutora do russo para o inglês). "Nem as posso mudar, porque essa emoção, esse calor, estão presentes no material. Foi algo que me impressionou quando estava a rodar. Assisti a muitas festas populares na Rússia mas nunca experimentei esta sensação de unidade. De certo modo, tive um pouco de tristeza, desejei também sentir essa unidade."
O Milagre de Santo António filma os preparativos e o decorrer da celebração, sem diálogo nem narração, criando um mosaico impressionista e colectivo que captura o ambiente destas romarias rurais. A opção pelo colectivo cala fundo, como nos explica o realizador. "Ao olhar para os meus filmes, compreendi que em nenhum há um protagonista; há um grupo de pessoas que funcionam como personagem principal. Não sei porquê; possivelmente porque é relevante neste momento da história." Loznitsa sente-se atraído pelo "fenómeno do grupo". "É extremamente interessante: as leis segundo as quais esses grupos funcionam, a energia que eles geram, que não pertence a uma única pessoa mas sim ao grupo. Interessa-me observar os lugares onde reconheço essa presença, essa energia."
O desconhecimento da língua e da cultura portuguesas acabou por ser uma mais-valia. "Quando começo a trabalhar em qualquer filme, assumo a posição da menina que vemos no primeiro plano do filme - procuro ver através dos olhos de uma criança. Apenas consigo descobrir coisas enquanto as observo, enquanto procuro esquecer tudo o que sou, tudo o que aprendi, toda a minha cultura." Loznitsa ri-se. "E ajuda não conhecer a língua nem perceber nada do fenómeno. Limitei-me a seguir as energias..." J.M.