Cabras vão pastar nos matos que servem de rastilho aos incêndios

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As cabras têm a vantagem de se adaptarem a terrenos acidentados e de comerem o que outros animais desdenham Rui Gaudencio

As cabras podem ajudar a reduzir o combustível que alimenta os incêndios. Além disso, são todo-o- -terreno, baratas, nada esquisitas no que toca a matos e pelo caminho ainda se fazem uns queijos

Um rebanho de cabras vai ser utilizado para reduzir os riscos de incêndios florestais no planalto de Jales, em Trás-os-Montes. "Economountain, economia da biodiversidade nas serras de Vila Pouca de Aguiar" é o projecto que está por trás desta ideia.

Não se trata de uma ideia nova em Portugal, nem a primeira que avança para concretização, mas os projectos anteriores produziram poucos resultados, tanto devido à falta de apoios financeiros como ao desinteresse da população local.

O uso de cabras é mais uma ferramenta complementar na redução do risco de incêndios florestais, não dispensando outras intervenções. Os animais, através da ingestão da biomassa, reduzem o combustível que alimenta um incêndio.

"Ainda não está comprovado cientificamente que o uso de cabras no controlo da vegetação possa ajudar na prevenção de incêndios, mas já existem registos de que o pastoreio de cabras, em zonas previamente ardidas, diminui a probabilidade da reincidência de incêndios", disse Paulo Fernandes, investigador e elemento do Grupo de Fogos da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

A intervenção é mais eficaz como manutenção em áreas que foram tratadas com outras técnicas, como a limpeza de matos através das equipas de sapadores florestais ou o uso do fogo controlado. "Este tipo de intervenção só funciona nos primeiros anos de crescimento do coberto vegetal, pois, após um certo ponto do crescimento da vegetação, as cabras já não o conseguem digerir", acrescentou.

Antes do avanço oficial, esta ideia já tinha sido testada no local. Para tal, tinha sido adquirido um pequeno rebanho e, durante um curto período de tempo, foi possível registar "com sucesso o consumo de vegetação pelo gado caprino", salientou o Presidente da Associação Florestal e Ambiental de Vila Pouca de Aguiar, Duarte Marques.

Nesta nova etapa, investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro vão analisar o impacto na fauna e flora do gado e produzir informação científica.

Um primeiro rebanho de 50 cabras vai pastorear uma área de 90 hectares no planalto de Jales. "Vamos fazer um tipo de pastoreio orientado, em que vamos usar os animais em locais estrategicamente identificados como sendo favoráveis à redução do número de ocorrências e também à limitação da expressão do fogo", frisou Duarte Marques.

O pastoreio orientado consiste na colocação de uma alta densidade de espécimes por hectare durante um curto prazo de tempo, no máximo até cinco dias.

"Esta técnica é útil quando se trabalham faixas de redução de combustíveis, pois os custos são mínimos quando comparados com os 750 euros que os bombeiros sapadores cobram por hectare", afirmou Henrique Pereira dos Santos, consultor independente na área da gestão da biodiversidade. Este tipo de intervenção torna-se ainda mais pertinente no "Noroeste de Portugal, pois existe um crescimento da cobertura vegetal acelerado devido à grande concentração de humidade", tornando os gastos ainda maiores. "Este método pode ser um investimento a longo prazo e de baixo custo", sublinhou.

A opção pelo gado caprino deve-se ao facto de se tratar de animais robustos que se adaptam a territórios montanhosos, por vezes agrestes, e que ingerem tipos de vegetação que a maioria dos outros animais não consome.

A Aguiarfloresta está ainda a trabalhar com os pastores daquela região, de forma a integrá-los também na gestão do território e defesa da floresta e, ao mesmo tempo, valorizar a pastorícia. A ideia é incentivar a aposta nos produtos associados à actividade, como a carne, leite ou o queijo, com vista à dinamização da economia local.

Para o efeito, serão criadas plataformas virtuais para a venda destes produtos, com o objectivo de criar uma maior proximidade entre os produtores e os consumidores. "Espera-se obter uma solução mais barata e de maior valor ambiental do que as que habitualmente são usadas", salientou Duarte Marques.

A iniciativa "Economountain, economia da biodiversidade nas serras de Vila Pouca de Aguiar", foi premiada com 160 mil euros pelo Fundo EDP para a biodiversidade.

Um projecto ibérico, intitulado "Self-Prevention", com o mesmo objectivo, foi criado em 2010. No entanto, as entidades responsáveis contactadas pelo projecto em Portugal confessaram que "ainda se encontram à espera de fundos".

Uma ideia fracassada

Passados dois anos, os fundos necessários para o arranque do projecto "Self-Prevention" não apareceram. Prometia-se criar 558 postos de trabalho, reintroduzir 150 mil cabeças de gado caprino nas zonas raianas dos distritos da Guarda, Bragança, Zamora e Salamanca, como "limpadores naturais" dos campos, mas os 48 milhões de euros para financiamento ainda não saíram do papel.

"Desde o início do projecto, ainda não conseguimos financiamento em Portugal. Temos o projecto nalguns concursos europeus, mas não é fácil arranjar fundos dada a especificidade", disse ao PÚBLICO uma das responsáveis da delegação Portuguesa no projecto "Self-Prevention", Teresa Pêra.

O antigo governador civil da Guarda Santinho Pacheco, em 2010, havia-se assumido como apoiante do projecto. Considerava, na altura, que seria "uma pena se o projecto não for avante."

A Câmara Municipal do Sabugal foi o único local em Portugal onde ocorreu uma reunião do "Self-Prevention", mas, em declarações à imprensa, o relações públicas do município, Victor Proença, declarou não prever "que este projecto se venha a implementar" naquela localidade. "Não existe a área mínima necessária, nem fundos disponíveis", acrescentou.

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