"Praça" das Cardosas é afinal um espaço privado de uso público
Investimento neste espaço do Porto, nas traseiras do Hotel Intercontinental, é da Lúcios, parceira da Sociedade de Reabilitação Urbana. A praça que é hoje inaugurada tem portões e será gerida por condomínio
À portuguesa, a azáfama de véspera é grande. Há paredes ainda a pintar, colocam-se as últimas lajes de granito, atiram-se jactos de água para o chão empoeirado e segura-se, não vá ele cair, o enorme carvalho americano que chega, pendurado numa grua, para dar alguma sombra ao lugar que abre hoje, com direito a festa, pelas 18h. Nas traseiras do Hotel Intercontinental, a Praça das Cardosas foi cedida pela Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) Porto Vivo à construtora Lúcios, que a manterá como espaço privado - zona comum de lojas e apartamentos - de "uso público". As três entradas estão protegidas com gradeamentos que, foi ontem explicado por fonte da empresa, serão fechados à noite.
As grades surpreendem quem tenha reparado, por exemplo, nas imagens virtuais com que a Lúcios promove os 52 apartamentos e 19 lojas que ali está a construir, até Fevereiro de 2103. Não se vêem barreiras na Internet, como nunca a elas se referiram os responsáveis da SRU, desde a apresentação do projecto, ainda em 2007. É que, em nenhum momento, foi explicado que a "nova praça" que, a cada notícia, se anunciava, é no fundo uma galeria comercial aberta, cujo horário de encerramento ao público será decidido pelo condomínio, explicou ontem a responsável pelo marketing da construtora e promotora do espaço, em parceria com a Porto Vivo.
Para já, e numa fase em que ainda decorrem obras no interior do quarteirão, é de esperar que os portões fechem pelas 21h, por questões de segurança. Depois, depende do que decidirem moradores e comerciantes do espaço onde, para além de um jardim e zona de circulação, foram construídas de raiz duas lojas, uma já destinada ao Wellcome Center do Turismo do Porto e Norte de Portugal e outra que ainda não foi vendida.
Rui Quelhas, administrador da SRU, argumenta que esta modalidade de cedência da propriedade está prevista no concurso que a Porto Vivo lançou para encontrar um parceiro que avançasse com a demolição do interior do quarteirão, a construção de um parque de estacionamento subterrâneo e a reabilitação do edificado. Toda aquela área, recorda Quelhas, não existia enquanto espaço público - estava ocupada por logradouros e construções - e, neste processo, nunca chegou a entrar no domínio público do munícipio, já que passou da SRU, uma sociedade anónima de capitais públicos que investiu dez milhões nas aquisições/expropriações, para o promotor. Que, através de um fundo imobiliário, comprou no ano passado 40 prédios. Com a condição, explica Quelhas, de manter a superfície do interior do quarteirão como "espaço de uso público."
Rui Quelhas assinalou que, perante esse estatuto, a praça não pode ser vedada à passagem de pessoas durante o dia, não conseguindo esclarecer, no entanto, se o condomínio está obrigado a um qualquer horário mínimo de abertura do espaço. O administrador da SRU admite que a dinâmica de utilização daquela zona vai depender da segurança e da dinâmica que, por exemplo, a presença da loja do Turismo do Porto e Norte ali criar.
Neste momento, a gestora da nova praça é mesmo a Lúcios, que já tinha sido escolhida para construir o Hotel das Cardosas e o parque de estacionamento. O administrador da SRU explicou que a construtora terá de pagar à Porto Vivo metade do que conseguir pela venda dos 53 apartamentos e 19 lojas que está a construir por trás dos tapumes com alusões à história deste sítio.
Até aqui, revelou a responsável pelo marketing da Lúcios, Ondina Machado, já se fizeram contratos e reservas para cerca de metade das 19 lojas e para 15% dos 52 apartamentos destinados ao segmento alto. E não é difícil adivinhar que as fracções se tornam mais atractivas com o ar de condomínio privado que a praça ganha com os portões - um deles a vedar uma rua que dá para a Praça de Almeida Garrett e a Estação de São Bento, aberta à custa da demolição de um edifício.
Nessa rua estreita, com uma parede em escama de ardósia e outra num azulejo vidrado tradicional, de amarelo vivo, serão instalados painéis que contarão a história de uma praça que nada tem que ver com o que foi no tempo em que os Lóios tinham aqui o seu convento. A intervenção, em dois patamares, abriu as vistas do restaurante do Intercontinental, que poderá vir a ter um concorrente num imóvel ao lado, com 600 metros quadrados, ainda em obras. À volta, terminam-se obras que, para Rui Quelhas, vão transformar o local numa "âncora" da reabilitação da área dos Aliados e do Eixo Mouzinho-Flores.