Currículo permitiu a Relvas fazer licenciatura num ano

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O curso de Ciência Política e Relações Internacionais feito por Miguel Relvas tem um plano de estudos do qual fazem parte 36 disciplinas semestrais MIGUEL MANSO

Presidente de associação de estabelecimentos de ensino privado diz que "lei um bocado coxa" permite que cursos sejam encurtados, mas que fazer uma licenciatura num ano "não é de todo vulgar"

No currículo tinha uma longa experiência política e vários cargos. Já tinha estado no Governo. E concluíra uma disciplina de Direito em 1985, com 10 valores. O ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, requereu a sua admissão à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa) em Setembro de 2006. E concluiu uma licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais um ano depois, em Outubro de 2007, com 11 de classificação final. O curso tem um plano de estudos de 36 cadeiras semestrais, distribuídas por três anos. Mas o ministro precisou de apenas um ano, precisamente, por causa do seu currículo.

António Valle, adjunto do governante, explicou que, quando pediu admissão à Lusófona, esta universidade privada analisou o "currículo profissional" de Miguel Relvas. Tido em conta, sublinhou, foi igualmente o facto de o actual ministro ter frequentado "os cursos de Direito e História" anos antes - sendo que da frequência desses cursos resultara a conclusão de uma cadeira (Ciência Política e Direito Constitucional, com 10 valores, na Universidade Livre).

O Decreto-Lei 74 de 2006 prevê que as instituições de ensino possam atribuir créditos às competências académicas e profissionais dos alunos. Cabe a cada escola definir como faz isso. E não existe limite mínimo ou máximo de créditos passíveis de serem atribuídos nestes termos, faz saber o Ministério da Educação. Ou seja, não está definido em quanto tempo pode um curso superior ser encurtado. O ministro, que, como notou o seu gabinete, concluiu o curso nos termos daquele decreto-lei, não disse quantos créditos lhe foram atribuídos. Nem quantas disciplinas fez.

João Redondo, presidente da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (Apesp) e vice-presidente da Fundação Minerva, que detém a Universidade Lusíada, considera que a lei sobre esta matéria "é um bocado coxa".

"Por isso, e porque entendemos que não estávamos devidamente preparados para fazer essa análise, na Lusíada não se faz reconhecimento de experiência profissional. Já temos tido pedidos, mas não fazemos. E ainda recentemente o presidente do conselho de administração de uma empresa entrou no 1.º ano de uma licenciatura."

Questionado sobre o assunto, Redondo acrescenta: permitir que se possa "fazer uma licenciatura de três anos num ano não é de todo vulgar", no universo das instituições de ensino, tanto mais que Miguel Relvas só tinha uma cadeira feita no ensino superior.

Não é possível saber com rigor com que frequência este tipo de reconhecimento é feito pelas universidades. "Compete a cada instituição proceder ao registo interno das creditações efectuadas, não existindo qualquer registo central dos créditos atribuídos ao abrigo desta prerrogativa", comunicou a assessora de imprensa do Ministério da Educação, Ana Machado.

O presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, Alberto Amaral, que faz a acreditação das instituições de ensino, e a quem o PÚBLICO na segunda-feira perguntou o que achava de uma licenciatura de três anos poder ser feita num ano, manifestou estranheza. Sem saber que instituição ou aluno estava em causa, disse: "São demasiadas disciplinas" dispensadas. "Se fosse o realizador Manoel de Oliveira a candidatar-se a um curso..." Mas sublinhou: "Não é ilegal."

O percurso académico de Relvas tem sido comentado - nomeadamente em sites da Internet. No dia 7 de Junho, o jornal Crime publicou uma notícia com o título "Miguel Relvas não revela o seu percurso académico". De então para cá, publicou outros artigos levantando dúvidas sobre o percurso do governante e dizendo que nem as universidades frequentadas pelo ministro, nem o próprio, facultavam informação.

Anteontem, no seguimento das respostas que já tinham sido dadas por Valle na sexta-feira, o PÚBLICO questionou o adjunto de Relvas especificamente sobre o processo de reconhecimento da experiência profissional do ministro pela Lusófona e sobre algumas informações prestadas pelo governante nos registos biográficos entregues no Parlamento, enquanto deputado (ver texto nestas páginas).

Ontem, o jornal i publicava um trabalho sobre figuras públicas que se licenciam tarde na vida, no âmbito do qual citava o ministro adjunto, que obteve o diploma aos 46 anos: o seu curso foi "encurtado por equivalências reconhecidas e homologadas pelo conselho científico" da Lusófona "em virtude da análise curricular" feita pelo órgão competente, explicou Relvas, lembrando que começou a sua "actividade política e profissional" ainda muito jovem - por causa da actividade política "intensa" acabou por relegar para segundo plano as obrigações académicas, contou.

Sobre o curso da Lusófona, acrescentou: "Fiz os exames que me foram exigidos."

Que exames e que créditos lhe foram atribuídos não disse. O seu adjunto fez saber que não estava em condições de facultar "para já" essas informações.

A Lusófona, por seu lado, não forneceu o seu regulamento para reconhecimento de competências nem respondeu às questões colocadas na quarta-feira. Mas alguns regulamentos de outras universidades disponíveis mostram o seguinte: na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Nova de Lisboa, "a creditação de competências originárias de experiência profissional (...) não pode ultrapassar 30 créditos nos cursos de 1.º ciclo" (licenciaturas). Na Universidade do Algarve, a regra é um limite de 60 créditos, salvo casos excepcionais. Na Autónoma (privada), "os créditos atribuídos não podem exceder os 60". Desde que entrou em vigor o chamado Processo de Bolonha, que prevê a uniformização europeia da estrutura dos cursos superiores, é, por norma, exigido aos alunos que completem 180 créditos.

O curso de Ciência Política e Relações Internacionais da Lusófona contempla 36 disciplinas, distribuídas por seis semestres, equivalentes, precisamente, a 180 créditos segundo o ECTS, o sistema europeu de créditos.

Vários cargos

As informações transmitidas ao PÚBLICO (ver cronologia) pelo gabinete de Relvas passam em revista um percurso que começa em 1984 (antes de ser eleito deputado pelo PSD pela primeira vez), que passa pelo ano de 2006, quando pediu admissão na Universidade Lusófona, e termina em 2007, com a obtenção do diploma. Ao todo, Relvas esteve matriculado em quatro cursos: Direito (fez uma cadeira); História (inscreveu-se em sete, mas não concluiu nenhuma); Relações Internacionais (pediu transferência mas não frequentou nenhuma disciplina) e Ciência Política e Relações Internacionais, no qual obteve a licenciatura.

Para além de deputado, do seu currículo fazem parte cargos, como o de secretário-geral da JSD e do PSD, presidente da Região de Turismo dos Templários, secretário de Estado, presidente da assembleia municipal de Tomar, presidente da mesa da assembleia da Comunidade Urbana do Médio Tejo. Nos registos biográficos entregues no Parlamento nas últimas legislaturas referiu como profissão gestor.

Um dos objectivos do Processo de Bolonha era criar condições para valorizar a experiência profissional dos candidatos, como se lê no decreto de Março de 2006, publicado seis meses antes de Relvas pedir admissão à Lusófona.

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