Estado e Câmara de Vila Real de Santo António disputam 2,6 kms de litoral

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Os terrenos que a câmara diz serem seus incluem a zona contígua à praia de Santo António, em primeiro plano VASCO CÉLIO

Autarquia registou, por usucapião, um milhão e 24 mil m2 encostados à praia. Associação ambientalista diz que os terrenos nunca foram do município. Direcção-geral do Tesouro impugnou o registo em tribunal

A Direcção-Geral do Tesouro e Finanças impugnou judicialmente a aquisição por usucapião, por parte do município de Vila Real de Santo António, de 102 hectares de mata contíguos ao areal que vai da foz do Guadiana até Monte Gordo. A autarquia afirma que os terrenos lhe foram cedidos pelo Estado há mais de 50 anos, por contrato verbal, enquanto a direcção-geral que gere o património do Estado defende que eles fazem parte da Mata Nacional das Dunas do Litoral de Vila Real de Santo António.

A faixa de terreno em litígio tem 2,6 kms de extensão, o que corresponde a dois terços do litoral entre Vila Real de Santo António e Monte Gordo, e foi registada pela autarquia em Setembro de 2009. Para que o registo da propriedade fosse possível, o presidente da câmara, Luís Gomes, actual líder do PSD no Algarve, promoveu uma escritura de justificação notarial, na presença de três testemunhas, na qual declara que o município adquiriu a propriedade através da figura jurídica da usucapião.

Isto porque, segundo alegou na escritura, o terreno, que diz estar situado entre a mata nacional e o areal do domínio público marítimo, foi cedido ao município "há mais de 50 anos, por contrato verbal, não titulado por escritura pública, pelo Estado Português, através da administração florestal". Desde então, acrescentou, encontra-se na sua posse "pacífica, pública e ininterruptamente, de boa-fé, com conhecimento de toda a gente".

Alertada pela associação Amigos da Mata e do Ambiente (AMA), a Direcção-Geral do Tesouro requereu o cancelamento do registo da propriedade entretanto efectuado pelo município na Conservatória do Registo Predial e intentou uma acção judicial de impugnação da escritura com que ele foi justificado.

De acordo com a queixa da AMA, a autarquia "parece querer aproveitar-se do avanço da linha de costa (devido à acumulação de sedimentos que se seguiu à construção de um pontão, na foz do rio Guadiana), para se tornar proprietária de terreno que jamais ocupou, utilizou ou lhe pertenceu". Na acção que pôs em tribunal, a Direcção-Geral do Tesouro sustenta que a mata nacional se estende até ao areal do domínio público marítimo e integra a "área de regeneração natural" criada em consequência da construção, nos anos 50 do século passado, do pontão da foz do rio.

O município, por seu lado, argumenta que o terreno lhe foi cedido há mais de 50 anos [quando tudo leva a crer que, nessa altura, grande parte dele ainda não existia] e que há mais de 30 aí abriu o caminho de acesso à praia da Ponta de Santo António, cuidando da limpeza e prevenção dos fogos nesse espaço.

O juiz titular do processo proferiu em Novembro passado o despacho saneador em que enumera as dúvidas que têm de ser esclarecidas para depois decidir se manda ou não anular o registo feito pelo município.

Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da autarquia insistiu na tese de que os terrenos estão fora da mata nacional e do domínio público marítimo e são objecto de manutenção pela câmara há mais de 30 anos. Luís Gomes disse igualmente que o registo por usucapião foi a forma encontrada, neste caso como em outros, para dar cumprimento às exigências legais que obrigam os municípios a registar os bens de que são proprietários. "Quando cheguei à câmara, o património imobiliário do município era de 15 milhões de euros e com os registos que fizemos já vai em mais de 200 milhões, sem contar com faixa do litoral."

Os críticos do executivo municipal suspeitam de que o registo desta faixa entre o Guadiana e Monte Gordo esteja relacionado com uma eventual intenção de, futuramente, desenvolver projectos turísticos no local, coisa que Luís Gomes nega. "O Plano Director Municipal é de 1992 e prevê para uma zona confinante uma doca de recreio com apoios hoteleiros, mas o Plano da Orla Costeira já o proibiu. Quanto à área que registámos, os planos em vigor não permitem qualquer construção", concluiu o autarca.

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