As fortificações que defenderam Elvas já são património da UNESCO

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Forte de Santa Luzia (em cima) e a entrada principal do Forte de Nossa Senhora da Graça Fotos: Câmara Municipal de Elvas

Com a decisão, ontem, do comité da UNESCO em São Petersburgo, as Fortificações de Elvas tornam-se o 16.º bem português Património Mundial. Agora todos sabem que são únicas

É uma obra criada por necessidade militar, atravessa a história portuguesa do século XIII ao XIX e é reflexo de génio arquitectónico pela forma como as transformações ao longo dos tempos se conjugaram num complexo que se estende da cidade aos seus arredores. As Fortificações de Elvas são Património Mundial da UNESCO, deliberou ontem o comité da organização, reunido em São Petersburgo até dia 6.

"Esta classificação não tem só um grande significado para mim e para todos aqui em Elvas, tem um grande significado para o país. Não é todos os dias que um órgão como a UNESCO diz que temos à porta de casa um bem que é único e de valor universal", disse ao PÚBLICO o socialista que preside à Câmara Municipal de Elvas, motor da candidatura.

José António Rondão Almeida e Elsa Grilo, vereadora da Cultura, acompanharam em directo pela Internet a votação, com alguns nervos à mistura. "Seria injusto que não fosse aprovada porque o parecer do ICOMOS [Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, na sigla em inglês] já apontava para a sua inclusão nesta lista onde só entram bens com um valor extraordinário", acrescentou Grilo, admitindo ao mesmo tempo que a decisão pode ter sido recebida por muitos com "alguma surpresa", já que o relatório daquele órgão internacional levantava também, já no início do ano, algumas reservas, embora ténues, à candidatura.

Essas reservas, precisaram o presidente da autarquia e a vereadora, diziam sobretudo respeito ao estado de conservação do Forte de Nossa Senhora da Graça, jóia da arquitectura militar do século XVIII, peça central do conjunto agora classificado e propriedade do Ministério da Defesa. Rondão Almeida espera, aliás, que esta entrada das fortificações para a lista do património da humanidade sensibilize "de uma vez por todas" o Ministério de José Aguiar Branco para a necessidade de conservar e valorizar os edifícios de que é dono na cidade.

O autarca socialista lança desde já ao ministro da Defesa uma proposta: "O Ministério que apresente a candidatura para o restauro do forte aos fundos comunitários através do QREN [Quadro de Referência Estratégico Nacional] que a câmara de Elvas assegura a contrapartida nacional." Segundo o socialista, os custos do projecto de recuperação deste forte que fica a um quilómetro da cidade não devem ultrapassar os quatro milhões de euros. "O QREN até já tem financiado projectos a 75 e a 80%. Se a câmara pagar o que falta, o senhor ministro nem vai gastar dinheiro. E isto para valorizar um monumento que, mesmo sem nada lá dentro, já demora meio dia a visitar."

Ponto de Partida

Na reacção à notícia enviada à agência Lusa, o secretário de Estado da Cultura sublinhou o trabalho de todos os envolvidos na candidatura, em particular o do embaixador Francisco Seixas da Costa, representante permanente na UNESCO, já antes elogiado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas. Francisco José Viegas salientou ainda as características raras deste sistema de defesa, "principal fortificação na fronteira mais antiga na Europa" e o maior conjunto de baluartes modernos construídos em qualquer lugar do mundo.

Garantido o restauro do forte e o de outros edifícios militares, a vereadora da Cultura diz que estão reunidas todas as condições para que Elvas possa potenciar mais o turismo. "Hoje já vemos, por exemplo, muitos japoneses na cidade, o que era raro acontecer. A partir daqui as possibilidades são imensas."

Para Clara Cabral, técnica responsável pelo património da humanidade na Comissão Nacional da UNESCO, esta entrada para a lista é, sobretudo, um ponto de partida. Deve ser vista como "reconhecimento de um bem de grande qualidade, cuja integridade e autenticidade foram validadas", mas também como um "incentivo" a um trabalho mais aprofundado. "Esta marca do património mundial aumenta a responsabilidade dos sítios e dos Estados a que pertencem na preservação daquilo que foi considerado de todos porque aumenta dramaticamente a sua visibilidade."

A votação em São Petersburgo foi "relativamente rápida" e a candidatura aprovada por unanimidade, depois de elogiada por delegados do Japão, de França, da Colômbia e do Qatar, explicou Elsa Grilo, para quem o processo de candidatura, iniciado em 2004, decorreu sem sobressaltos. "Foi um trabalho intenso que implicou uma forte componente de preservação do património mas também de educação", explicou, falando do centro interpretativo do complexo formado pelas fortificações, inaugurado em Outubro do ano passado, e nos painéis informativos criados para os bens agora classificados.

Passo decisivo para este desfecho terá sido, segundo a vereadora, a visita do ICOMOS em Setembro do ano passado. "Os peritos identificaram o estado de conservação do forte como um problema, mas também reconheceram que o projecto tinha condições de sustentabilidade", já que o plano de gestão que costuma ser a pedra de toque das candidaturas está a ser aplicado há três anos "e com sucesso".

Arquitectura de defesa

As fortificações de Elvas nasceram por imperativo militar, primeiro para defesa das investidas espanholas, mais tarde das invasões francesas, e a sua construção revela um génio arquitectónico e de engenharia exemplar.

Através delas, pela forma como se foram enquadrando na tecido urbano remodelações e novas construções, atravessamos grande parte da história do país. A fundação surge no reinado de D. Sancho II (1223-1247) e é feita sobre a estrutura original muçulmana, da qual restam ainda duas cinturas de muralhas.

Conquistado definitivamente aos mouros em 1226, o castelo de Elvas seria concluído dois anos depois. Assim se iniciava o conjunto de construções ontem reconhecido pela UNESCO e que se encontra distribuído entre a área urbana de Elvas e seus arredores. Inclui todas as fortificações da cidade, os fortes de Santa Luzia e da Graça (dos séculos XVII e XVIII, respectivamente), três fortins do século XIX, as muralhas medievais e do século XVII e ainda o Aqueduto da Amoreira, concluído no mesmo século e o maior da Península Ibérica, com os seus mais de oito quilómetros de extensão desde a nascente até à cidade.

Depois de D. Sancho II, D. João II e D. Manuel I promoveriam alterações no Castelo, adaptando-o às mudanças introduzidas no Renascimento. Porém, como estrutura militar que é, seriam ventos de guerra a impulsionar o mais significativo momento na evolução das estruturas. No ciclo das guerras de fronteira que se seguiram à Restauração da Independência, em 1640, D. João IV, primeiro, e D. Afonso VI, depois, seriam responsáveis pela criação de "um dos mais notáveis conjuntos abaluartados da Europa", como se defende na candidatura enviada à UNESCO.

As fortificações são obra do padre jesuíta João Piscásio Cosmander e resistem hoje como o melhor exemplo em todo o mundo da escola de fortificações holandesa. Incluíam o complexo sistema de muralhas, revelins e fossos, para além do forte de Santa Luzia, a dois quilómetros da cidade. O da Graça, no monte com o mesmo nome, a um quilómetro de Elvas, mandado erigir por D. José em 1763, seria inaugurado quase três décadas depois, em 1792, por D. Maria I. Um marechal germânico destacado em Portugal tê-lo-á descrito à época como uma "obra-prima da fortificação, incorporando toda a habilidade e arte disponível no momento". O estado português reconheceria oficialmente o mesmo em 1910, ano da sua classificação como património nacional. É essa excelência, que abrange toda as estruturas das Fortificações de Elvas, que a UNESCO premeia agora. Era a única candidatura portuguesa das analisadas pela organização e tornou-se o 16.º bem português por ela classficado como património mundial.

O PÚBLICO tentou contactar o comissário científico da candidatura, Domingos Bucho, que esteve indisponível até à hora do fecho desta edição.

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