Há uma igreja em Lisboa à espera da intimidade das canções de Julia Holter
Hoje, na igreja de St. George, a americana apresenta a pop exploratória do seu novo álbum
É um acontecimento. Na altura em que é celebrada um pouco por todo o lado como um dos nomes do ano, graças ao álbum Ekstasis, a norte-americana Julia Holter apresenta-se na igreja de St. George, ao Jardim da Estrela, em Lisboa, pelas 22h30, numa produção da galeria ZDB, depois de ter actuado ontem em Guimarães.
Cerca de um ano após a edição do seu primeiro álbum, Tragedy, ei-la com um dos capítulos mais intrigantes da pop contemporânea, com uma música sonhadora, flexível, de violoncelos, caixas de ritmo e teclados, algures entre a pop, a folk, o jazz e a música de câmara.
Se em disco é assim, em concerto ainda parece ser mais estimulante, como o testemunham vários registos da Internet. Na aparência a sua música não é fácil de recriar ao vivo, possuindo diversos níveis de leitura. Mas nos registos disponíveis na Internet fica a ideia de que a multiplicidade de elementos acaba por ser recriada de forma magnífica, com ela nos teclados, sendo coadjuvada por bateria e violoncelo. Numa entrevista, ao Ípsilon, em Março, aquando da edição de Ekstasis, confessava-nos que o entrosamento com os outros dois músicos não foi uma tarefa muito fácil.
"Conversámos sobre a estrutura dos temas, tentámos percebê-la e daí partimos para a interpretação, desenvolvendo novos arranjos, sem nos preocuparmos como soariam em relação ao disco", dizia-nos, recordando o método de transposição dos temas do disco para o palco. "Nesse processo os músicos acabaram por dar imenso de si e a sensação com que fico é que acabei por criar um outro disco na companhia de mais duas pessoas. Nunca tínhamos tocado juntos e tivemos apenas um mês para nos adaptarmos antes do primeiro concerto em Nova Iorque."
A sua música é singular, são canções mas sem a previsível estrutura de canção, com repetições vocais dispostas em camadas, colocadas em peças que vão sendo construídas em sedimentos, numa onda sonora voluptuosa. Mas mesmo para alguém de universo personalizado, as influências fazem-se sentir. Laurie Anderson, Meredith Monk ou Kate Bush são nomes mencionados quando se fala dela, embora ela mesma prefira citar Robert Ashley, Robert Wyatt ou Joni Mitchell. Ou seja, coisas pertencentes a diferentes famílias estilísticas.
Mas nem só da audição de outras músicas vive Holter. A literatura e o cinema são outras paixões, não espantando que algumas canções respirem referências literárias (Virginia Woolf ou Frank O"Hara) e cinematográficas, como o filme de Alan Resnais O Último Ano em Marienbad. Se essas referências se farão sentir em palco é o que se verá. Em Março, mostrava-se apreensiva com a ideia de andar em digressão. "Tocar a minha música, noite após noite, assusta-me, mas, hei!, talvez me surpreenda."