O que é que os insectos canibais nos ensinam sobre a escolha do que comemos e a obesidade?
As escolhas feitas à mesa têm mais de inconsciente do que pensamos, disseram os oradores de palestra na Fundação Champalimaud
No Norte dos Estados Unidos há uma espécie de grilos, a Anabrus simplex, que avança em bandos, atravessando campos e estradas. O biólogo Stephen Simpson põe a imagem em movimento no ecrã atrás dele - a massa de insectos move-se imparável. Por que é que não param?
Esta é uma história que tem que ver com comida. A dieta destes grilos é muito baixa em proteínas e eles procuram alimentos que possam suprir essa falha. "Qual a principal fonte de proteínas que têm à disposição?", pergunta Simpson. Sim, é o grilo que está ao lado. É por isso que eles continuam a andar. Quando param, são comidos.
Stephen Simpson, especialista em fisiologia da nutrição da Universidade de Sydney, na Austrália, foi um dos oradores na conferência Food for thought: tasting ideas, na semana passada, na Fundação Champalimaud, em Lisboa. E usou o canibalismo destes grilos para explicar como é que o cérebro dos animais (e dos humanos) funciona no momento de escolher alimentos.
O cientista descreveu um teste no qual à frente destes insectos foram colocadas quatro rodelas de alimentos, sendo uma apenas de hidratos de carbono, outra de proteínas, outra de hidratos de carbono e proteínas, e a última sem nada. O resultado foi conclusivo: os animais concentravam-se em redor das rodelas com proteínas. Isto significa, segundo Simpson, que existe nos cérebros deles uma espécie de sensor que indica as necessidades alimentares dos seus organismos.
Vários testes em animais e humanos mostram a mesma tendência de comportamento: quando não estão a ingerir proteínas suficientes, quer uns quer outros tentam compensar ingerindo uma maior quantidade de hidratos de carbono e gorduras. O resultado é a obesidade.
Foi o que se verificou com a população dos Estados Unidos, explicou Simpson. A partir de certa altura, a dieta dos norte-americanos baixou em média de 14% de proteínas para 12,5%, quebra que eles tentam compensar com a ingestão de mais gorduras e hidratos de carbono.
Aconteceu o mesmo com o grupo de alunos que, quando era professor de entomologia na Universidade de Oxford, no Reino Unido, Simpson levou para um "chalé nas montanhas, dizendo-lhes que podiam comer tudo o que lhes apetecesse". A dieta foi sendo alterada, sem que eles se apercebessem, e a quantidade de proteínas foi reduzida.
Os resultados confirmaram o que os testes com animais já tinham mostrado: quanto menor a quantidade de proteínas, maior a tendência para a compensar a dieta com hidratos de carbono e gordura. Notou-se uma tendência em especial para o consumo de snacks com sabores fortes, como as batatas fritas, cujo gosto (o chamado umami, ou o quinto dos cinco gostos básicos, além do doce, salgado, amargo e ácido) é habitualmente associado às proteínas, daí que consumi-los pode dar a ilusão de se estar a obter mais proteínas.
Mas como sabe o cérebro de quantas proteínas precisamos? Carlos Ribeiro, cientista suíço filho de pai português, investigador do Programa de Neurociências da Fundação Champalimaud, tem estudado a mosca-do-vinagre à procura da resposta. Mostra um desenho em que uma mosca, de guardanapo ao pescoço, tem de decidir entre um hambúrguer e um prato cheio de bolos.
Adaptação à gordura
Na realidade, o que acontece no laboratório é que as moscas têm a opção entre comida com corante vermelho (açúcares) e azul (proteínas). "Podemos ver o que escolheram vendo a cor da barriga delas", explica Carlos Ribeiro. "Parecem ter uma espécie de sensor que indica a quantidade de proteínas que devem ingerir." Os cientistas alteraram geneticamente esse sensor para que "diga sempre "não tens proteínas suficiente", e assim, por muito que ela coma, continua a achar que não chega". Isto "pode ajudar-nos a perceber por que é que há pessoas que comem de mais e outras que não comem o suficiente".
Sabemos que as proteínas são necessárias ao organismo porque são a única fonte de azoto de que ele dispõe para o crescimento. Daí que exista uma predisposição genética natural para procurar proteínas (que estará afectada nas pessoas que sofrem de anorexia).
Mas estes dados conduzem-nos a outra pergunta: por que é que o nosso organismo não nos deixa comer proteínas em excesso? Ou, dito de outra forma, como é que sabemos que já comemos as suficientes? As investigações de Simpson apontam para uma resposta: se se der demasiadas proteínas a um insecto, a esperança de vida reduz-se. Restringir o consumo de proteínas é, portanto, um mecanismo de defesa.
Os estudos de Simpson revelam ainda outra tendência interessante. O que sabemos, até agora, é que tanto humanos como animais têm dificuldade em regular a ingestão de alimentos calóricos (hidratos de carbono e gordura) quando os hábitos alimentares se alteram. Mas, pergunta o investigador, será que no futuro se vão adaptar melhor a isso?
A experiência foi feita com lagartas: ao longo de várias gerações, foram alimentadas com excesso de calorias. Inicialmente, a tendência foi o desenvolvimento da obesidade, mas ao fim de oito gerações os insectos conseguiam já libertar-se do excesso de hidratos de carbono sem os transformar em gordura - tinham-se tornado imunes. Esta descoberta, afirma Simpson, pode abrir caminho à descoberta de genes que permitam o combate à obesidade.