Nos últimos meses, algo mudou nas conversas de café de Diana Fernandes e dos amigos. A emigração tornou-se um “tema recorrente” entre jovens médicos, conta a interna do quarto ano no Centro Hospitalar de Leiria-Pombal. Ser médico já não é trazer debaixo do braço um diploma anti-crise e, por isso, quase todos já sabem de cor quais os países que os podem contratar e que especialidades procuram.
A frequentar o primeiro ano do internato, Roberto Pinto, coordenador do Conselho Nacional do Médico Interno (CNMI), admite que quando escolher a especialidade, já no próximo ano lectivo, terá de pensar na empregabilidade que esta tem e não apenas no que gosta mais. “Era outra coisa que não acontecia há alguns anos”, aponta.
Nos dias 11 e 12 de Julho, a greve geral dos médicos vai pôr os hospitais do país a funcionar apenas com serviços mínimos. A decisão foi tomada depois do anúncio do Ministério da Saúde, que pretende contratar médicos à hora pelo critério do mais barato. A gota de água para a classe, que junta à lista outras queixas. Foi também o confronto com cerca de um ano e meio de congelamento dos concursos para contratação de médicos no Serviço Nacional de Saúde, entretanto desbloqueados na passada quarta-feira, dia 20, que fez os planos b começarem a saltar para cima da mesa.
Não são muitos, mas são cada vez mais
Para Roberto Pinto, "depois de uma formação de 12 ou 13 anos e não tendo perspectivas, sobram duas hipóteses: ou se acomodam ou tentam oportunidades lá fora". Não se sabe ao certo o número de médicos que já terão optado por sair do país – tal como não existem números em relação ao desemprego. Não será significativo, admite o jovem de 28 anos, mas “acontece cada vez mais”.
No último ano e meio, os internos que completaram a formação esbarraram com portas fechadas no Serviço Nacional de Saúde: o que lhes era proposto até agora era um “prolongamento do contrato”. Ou seja, na prática, os hospitais tinham médicos a trabalharem como especialistas mas a receberem como internos.
Uma situação “indigna”, que Roberto Pinto e Diana Fernandes, também membro do CNMI, não aceitariam. Vêem o futuro com alguma preocupação, mas preferiam emigrar a sujeitar-se a condições como as que têm sido oferecidas aos recém-especialistas.
O problema, ressalva Diana Fernandes, é que muitas vezes, quando se acaba o internato (por volta dos 31 anos), já se constituiu família: “Aí teria de pensar duas vezes”. Fazer planos para o futuro? Roberto Pinto tem uma teoria: “Não é possível, quem o fizer corre o risco de se sair mal.”