Paraguai ameaçado com sanções após destituição do Presidente

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Fernando Lugo não teve tempo para responder às acusações que lhe foram formuladas reuters

Líderes da América Latina interpretam o afastamento do socialista Fernando Lugo como um processo "ilegítimo" de saneamento político e prometem repercussões

Os líderes da América Latina reagiram em uníssono, condenando de forma dura e inequívoca a destituição do Presidente do Paraguai, Fernando Lugo, pelo Congresso nacional, na sequência de um julgamento político que atacaram como "ilegítimo" e "vergonhoso".

Governos de direita e esquerda, do México, Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Colômbia, República Dominicana, Costa Rica e Venezuela ameaçaram expulsar o país da União de Nações Sul-americanas (Unasur) e aprovar sanções comerciais contra o Paraguai na cimeira do Mercosul na próxima semana. Os vizinhos latino-americanos também recusaram reconhecer o novo chefe de Estado, Federico Franco, que tomou posse na noite de sexta-feira, assim que o Senado votou o afastamento de Lugo, nove meses antes do fim do mandato.

Com 39 votos a favor, quatro contra e duas abstenções, o Senado ratificou a decisão que a câmara baixa do Congresso assumira por unanimidade na véspera. O processo para a destituição do Presidente, por "mau desempenho das suas funções", foi iniciado após um episódio de violência em Curuguaty, uma povoação remota no Norte do país: a 15 de Junho, confrontos entre a polícia e 150 trabalhadores "sem-terra" que ocuparam uma exploração agrícola provocaram a morte de 17 pessoas.

O processo contra Lugo, descreveu o secretário-geral da Unasur, Alí Rodríguez Araque, configura "um golpe de Estado parlamentar". "O Congresso violou um dos princípios mais elementares do processo judicial, que é o direito legítimo à defesa", apontou. Censurou que os legisladores não tenham garantido que Lugo tivesse tido acesso às provas produzidas contra si, nem tempo para responder às acusações.

Com milhares de apoiantes a gritar "o povo unido jamais será vencido" em frente ao palácio do Congresso, Fernando Lugo fez uma declaração ao país para lamentar a "ferida profunda" que a sua destituição abria na história da democracia do Paraguai, e explicar que acatava a decisão do Congresso para evitar que o país caísse na instabilidade. "O golpe não é contra mim, é contra o povo paraguaio. Espero que os responsáveis tenham bem presente a gravidade dos seus actos", sublinhou.

Para o sucessor Federico Franco (um médico e antigo governador que lidera o partido liberal), a substituição de Lugo decorreu com "total respeito pela ordem constitucional".

A resposta à violência em Curuguaty foi a causa para o afastamento do Presidente, mas as razões da crise política são mais longínquas e residem na debilidade da coligação parlamentar que suportava o Governo de Lugo, um antigo bispo católico e líder de esquerda que em 2008 logrou pôr fim ao monopólio de mais de 60 anos do Partido Colorado, conservador, na política em Assunção.

Sem maioria no Congresso, Lugo garantiu o respaldo do Partido Liberal Radical Autêntico, eterno rival dos conservadores, para governar. No entanto, as diferenças ideológicas entre o Presidente socialista e os outros líderes da coligação eram evidentes: segundo o colunista do diário ABC Color, Alcibiades González, a coincidência do discurso de Lugo com a retórica dos líderes populistas da Venezuela, Equador e Bolívia começou a assustar os seus apoiantes moderados, "com os grandes produtores e latifundiários a criticarem abertamente os projectos de reforma agrária e redistribuição da riqueza ", observou à BBC Mundo.

"É difícil encontrar nas ofensas imputadas a Lugo algo mais do que um pretexto para afastar um presidente impopular", disse à AP Michael Shifter, presidente do think tank de Washington Diálogo Interamericano. "A oposição simplesmente não concordava com as políticas de Lugo e não aprovava a forma como ele governava, e arranjou maneira de manipular o sistema, cumprindo a letra da lei, mas não o princípio da democracia."

A socióloga Milda Rivarola, que chegou a ser apontada para primeira-ministra do Paraguai, explicou que a ruptura dos liberais foi uma jogada pré-eleitoral: "Os liberais sentem-se incomodados com a sua aliança política, e era conveniente distanciarem-se do Presidente, para aparecer como uma força de oposição a competir com o Colorado, o outro grande partido do Paraguai."

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