É raro o dia em que não há um imigrante espancado na Grécia

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Manifestação de imigrantes contra o partido de extrema-direita Aurora Dourada durante a campanha eleitoral LOUISA GOULIAMAKI/AFP

Giorgios Tsarbopoulos A extrema-direita é perigosa não só pela retórica mas pelas acções, diz o director do ACNUR na Grécia. Parte da sociedade aceita que a violência é um meio aceitável para resolver diferenças

Como é que escalada do partido de extrema-direita Aurora Dourada, que em apenas três anos passou de 0,2% para 6,9% nas eleições, saindo da irrelevância para se tornar uma força parlamentar de 18 deputados, está a influenciar a sociedade grega? Giorgios Tsarbopoulos, director do Alto-comissariado da ONU para os refugiados (ACNUR) na Grécia, diz que um efeito imediato foi o aumento de ataques contra estrangeiros: agora é raro o dia em que não haja um imigrante espancado.

Como vê a entrada do partido neonazi Aurora Dourada no Parlamento?

Este partido tem uma agenda com base em reais problemas de segurança dada a larga concentração de migrantes, de pessoas pobres, sem empregos, sem documentos, sem perspectivas de integração, no centro da cidade. Isto cria pressão em bairros, causa alterações do modo de vida. Não interessa se estas pessoas estão ou não ligadas à criminalidade - isto cria terreno fértil para vozes extremistas fazerem passar as suas mensagens.

Ficou surpreendido que ainda que um responsável do partido tenha agredido uma deputada na televisão, e que ainda que tenham ameaçado expulsar imigrantes dos hospitais, o Aurora Dourada tivesse mantido a sua percentagem?

Na verdade eles desceram ligeiramente, obtiveram 0,2% menos. Claro que isto mostra que o problema é muito mais complicado. Não é apenas um pequeno grupo de extremistas. É o facto de estarem a passar algumas das suas mensagens - não as ideológicas, mas aquelas que têm a ver com a violência, que ataca especialmente os migrantes, mas também outras minorias, e também todos os que possam ser considerados inimigos da nação.

Como pessoas ou partidos de esquerda?

Sim, e não só. Pode ser alguém que proponha uma negociação com um país vizinho que seja tradicionalmente considerado inimigo, o que quer que possam considerar como ameaça à identidade nacional. Hoje são os migrantes, mas já há sinais de que vão atacar outros. Da esquerda, mas quem sabe, amanhã, o que podem considerar ser contra os seus princípios. Há um problema aqui que é o uso de violência como meio de resolver diferenças ou de passar uma mensagem. O problema é que quem vota neles aceita isto.

É verdade que a violência contra imigrantes aumentou desde que entraram no Parlamento nas eleições de 6 de Maio?

Absolutamente, sim. No ano passado já víamos violência muito frequente contra migrantes e refugiados, independentemente do estatuto legal, idade, se tinham ligações com a sociedade grega ou não. Mas a partir de 6 de Maio, quando entraram no Parlamento, é um fenómeno quase diário, e com uso sistemático de padrões que identificámos num grupo para registar incidentes de violência racista [que inclui várias outras organizações gregas].

Que padrões são estes?

Grupos de pessoas a atacar, principalmente jovens, muitas vezes de motas, algumas vezes com cães. Isto já tinha começado no ano passado, mas agora é sistemático. Hoje, é uma excepção se passa um dia sem um destes incidentes. Há um problema real. Por um lado, a violência não pode ser tolerada. Por outro, as autoridades têm de dar segurança aos cidadãos para que estes grupos extremistas não tenham espaço para fingir que protegem as pessoas.

Mas não é difícil a tolerância zero das autoridades em relação a este grupo quando se estima que metade dos polícias votaram no Aurora Dourada?

Sim. Sabíamos que havia alegações de que, em algumas esquadras, o Aurora Dourada tinha algum poder, especialmente em alguns bairros de Atenas por causa da grande concentração de migrantes destituídos. Sabíamos que as esquadras, se não estavam a colaborar com eles, estavam pelo menos a tolerá-los.

E o que dizer da acção de autoridades em relação aos imigrantes, quando recentemente a polícia deteve um grupo de prostitutas estrangeiras, acusando-as de serem um "perigo para a saúde pública"?

É problemático que de outros partidos políticos, também deputados ou ministros foram muito mais longe do que seria um modo democrático de lidar com o problema.

Por exemplo?

Toda esta questão da saúde pública foi apresentada de modo a dar a ideia de que há algo a ser feito quando, na realidade, não se tenta resolver a causa do problema. Foram atrás das prostitutas, que são vítimas de tráfico, dizendo que há um problema com a sida e que o Estado o está a resolver prendendo prostitutas estrangeiras. É um modo extremamente simplificado de lidar com o problema que não resolve o problema. Apenas cria a sensação de que o faz.

Um pouco como com os centros de detenção para os imigrantes, postos em prática mesmo antes das eleições de Maio.

Sim. E o que quer isto dizer? Que com estas medidas se contribui também para enganar a opinião pública. Esta fica, assim, mais vulnerável a vozes extremistas, que vão pedir medidas mais duras.

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