António Costa e a liberdade de informação
O país assistiu em Março a uma bem montada operação de marketing político com o objectivo de lançar a corrida de António Costa a São Bento. O pretexto escolhido pelo presidente da Câmara de Lisboa para apontar ao mundo o destino com que sonha foi a publicação de uma colectânea de discursos intitulada "Caminho aberto". Explicou então, nas entrevistas e declarações que encheram os media, que era um homem de acção, com gosto pelas tarefas executivas, e que o livro servia para "prestar contas" aos cidadãos sobre o que tem andado a fazer.
Como jornalista que acompanha regularmente a actividade da Câmara de Lisboa, a minha primeira reacção foi de satisfação. António Costa falava em prestar contas e isso poderia significar o reconhecimento, embora tardio, de que devia explicações, muitas explicações, em primeiro lugar a quem vive e trabalha em Lisboa, sobre as únicas funções executivas que desempenha presentemente. Os meses que se seguiram mostraram, porém, que não era disso que se tratava.
Na Câmara de Lisboa nada mudou e António Costa permanece fiel ao seu entendimento de sempre: a câmara é dele, e é ele, consoante os seus interesses e estratégias pessoais, quem decide o que diz, onde, quando e a quem, sobre aquilo que faz no lugar para que foi eleito. Totalmente fora do seu quadro mental está a natureza das funções públicas que desempenha e aquilo a que a Constituição e as leis da República o obrigam, precisamente em matéria de prestação de contas.
Não é daqui a vinte anos, nas suas memórias, ou quando lhe der jeito, nas entrevistas e livros que congeminar, que tem de as prestar. É agora, hoje e todos os dias, que a lei lhe impõe uma conduta diametralmente oposta àquela que tem marcado os seus mandatos na Câmara de Lisboa.
A prestação de contas devida ao povo pelos titulares de cargos públicos passa em grande parte pela intermediação dos jornalistas e pelo escrupuloso cumprimento das normas legais que consagram o livre acesso, por parte destes, à informação existente na posse daqueles. Em concreto, o Estatuto dos Jornalistas (Lei n.º 1/99) estabelece que "o direito de acesso às fontes de informação é assegurado aos jornalistas" por toda a espécie de entidades públicas, incluindo as autarquias, e que "a liberdade de expressão e criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações". Na Câmara de Lisboa, todavia, a lei é letra-morta e há cinco anos que António Costa passa alegremente por cima dela, negando o acesso dos jornalistas a toda e qualquer informação que lhe pareça prejudicial ao seu "caminho". Nos computadores de muitos deles acumulam-se centenas de perguntas sem resposta dirigidas aos porta-vozes da câmara, ao gabinete do presidente e a alguns vereadores. Perguntas sobre factos concretos, não sobre opiniões, perguntas sobre actos ou omissões dos serviços do município, sobre decisões camarárias - pedidos de esclarecimento essenciais para que os cidadãos possam ser informados com rigor. Perguntas que esperam respostas semanas e meses a fio e sem as quais, por vezes, as notícias têm de ficar na gaveta, tornando-se o silêncio da câmara um imperdoável impedimento à liberdade de informação.
Mas não é só a gestão ilegal do silêncio que caracteriza a política de comunicação de António Costa, ela passa também pela discriminação de alguns jornalistas e meios de comunicação em relação a outros. E até por inomináveis manobras em que as informações pedidas por uns são entregues a terceiros, que supostamente tratarão do assunto de uma forma mais benigna para a autarquia.
À imagem de muitos outros políticos, em particular autarcas como Rui Rio, e seguindo a cartilha de João Soares, um dos seus antecessores, o presidente da Câmara de Lisboa constituiu-se há muito como um inimigo da liberdade de informação. E como já se viu noutros casos, fê-lo com a conivência de muitos jornalistas e da entidade reguladora do sector.
Sendo a lei aquilo que é, fantástica na proclamação de princípios, mas inconsequente no que respeita à sua aplicação, impõe-se que as normas do Estatuto do Jornalista quanto ao acesso às fontes oficiais de informação sejam mais do que isso - meros princípios. Impõe-se que a lei seja revista e diga expressamente que os titulares de cargos públicos têm de responder às perguntas dos jornalistas sobre factos concretos, ou de fundamentar por escrito as razões da sua recusa em responder. E impõe-se que a violação da lei não possa ficar impune.