Conferência Rio+20 termina com misto de desalento e de missão cumprida

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Nacho Doce/Reuters

Depois de três dias reunidos no Rio de Janeiro, chefes de Estado e ministros adoptaram, às 19h15 no Rio de Janeiro (23h15 em Lisboa), um vasto documento para dar impulso a um mundo que cresça sem destruir o planeta. Intitulado “O futuro que queremos” e acordado já desde terça-feira, o texto é criticado por uns por falta ambição e saudado por outros como um passo em frente.

Também foi aprovado um programa-quadro, para os próximos dez anos, para estimular padrões de produção e de consumo sustentáveis.

“O futuro que queremos” reafirma compromissos anteriores, mas traz algumas novidades, lançando, a partir de agora, novos processos negociais em temas como a protecção dos oceanos, a criação de objectivos globais para a sustentabilidade ou o reforço do financiamento aos países em desenvolvimento. Não há novas metas internacionais vinculativas.

A Presidente brasileira, Dilma Rousseff, considerou que na Rio+20 “foi dado um passo histórico rumo a um mundo mais justo, para que a pobreza seja erradicada e o ambiente seja protegido”.

“A Rio+20 traz avanços na agenda do desenvolvimento sustentável”, disse também a ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, salientando que o multilateralismo saiu a ganhar. “O consenso é global, mas isto não significa que cada país não possa fazer mais do que ficou aqui decidido”, acrescentou.

“Para isto não era preciso esta conferência”, reage Francisco Ferreira, um dos representantes da associação ambientalista Quercus à Rio+20, dizendo que o evento “ficou aquém das expectativas, por falta de compromissos”.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, também disse, numa reunião com representantes da Cúpula dos Povos – um evento paralelo da sociedade civil – que, agora, os governos deverão construir novos passos a partir do documento acordado na Rio+20.

Mas foi com grande desalento que os representantes da Cúpula saíram da reunião com Ban Ki-moon. “Dissemos-lhe que a Rio+20 foi amargamente decepcionante. Sentimos uma profunda raiva e frustração”, afirmou Sharon Burrow, da Confederação Internacional de Sindicatos. “Não há empregos verdes num planeta morto”.

O Brasil, anfitrião da conferência, sempre disse que a Rio+20 deveria lançar processos, ao invés de concluí-los. E os negociadores brasileiros fizeram tudo – “jogando duro”, como disse ao PÚBLICO um delegado nas negociações – para que houvesse um documento acordado antes da chegada dos chefes de Estado e ministros, a quem coube, desde quarta-feira, apenas fazer discursos no plenário e participar de mesas redondas.

“Não gastaram uma hora a negociar. Usaram a oportunidade para anunciar projectos e iniciativas. Não era preciso vir a uma cimeira da ONU para isso”, disse Kumi Naidoo, director-geral da Greenpeace. “Vieram só para a foto de família”, completou Sharon Burrow.

Os próprios governantes sentiram que não tinham muito o que fazer. “Sabemos de outras conferências em que até à última hora se está a procurar fechar um texto. Isto não aconteceu”, disse ao PÚBLICO Assunção Cristas, ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território. “Houve um bocadinho a sensação de que viemos para a parte mais da festa, mais do ‘a seguir’, e não para pôr a mão na massa”.

Para Assunção Cristas, houve resultados positivos na Rio+20. “Não foi um passo de gigante, mas também é verdade que ninguém achava que se conseguisse fazer este passo de gigante nessa altura”, afirmou.

A União Europeia sai da Rio+20 sem ter conseguido o nível de ambição que desejava, tendo cedido nalguns pontos do documento, de modo a não inviabilizar um acordo. “Costuma-se dizer que para o tango é preciso dois. Aqui precisamos de todos, para dançar ao mesmo compasso”, disse Cristas.

A Rio+20 encerra com a sensação de que os vários eventos paralelos da sociedade civil – como a Cúpula dos Povos ou os Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável – tiveram pouca influência nas decisões oficiais. “Há demasiado divórcio. Devia haver muito mais ligação entre uma cimeira e os outros eventos”, opina a socióloga Luísa Schmidt, que representou no Rio de Janeiro o Conselho Nacional para o Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. “É mais importante a vivacidade e a criatividade que a sociedade civil está a manifestar, do que um documento”.

Para Graciela Rodrigues, da organização feminista Articulação das Mulheres Brasileiras, não foi em vão a participação da sociedade civil. “Os governos sabem que cada vez mais as inquietações e a revolta estão a acontecer”, afirma.

À entrada do Riocentro – a sede da parte oficial da Rio+20 –, as crianças do Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras cantavam sexta-feira, mais uma vez, a música com que venceram um concurso lançado pela ONU e que as levou ao Rio de Janeiro. Madalena, 13 anos, resume o seu entendimento do que é a Rio+20: “Junta toda a agente que quer ajudar a Terra”.

Noutro ponto da cidade, a Rio+20 acaba de forma prematura e triste na Kari-oca, uma concentração de povos indígenas à margem da conferência da ONU. Um índio de 48 anos morreu durante a madrugada de sexta-feira e todos resolveram voltar mais cedo para casa.

A série Rio+20 é financiada pelo projecto PÚBLICO Mais
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