O lugar central do processo é o dasquestões éticas
A decisão da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) apenas confirma aquilo que era expectável desde o início: um corrupio de afirmações e desmentidos, sem provas sobre as questões ditas "essenciais", que iria fazer com que o processo terminasse no lugar central em que sempre se colocou: no das questões éticas. Mas aí, como também era de esperar, a ERC pouco nos poderia dizer.
Como parece demonstrar bem este caso, em que quer jornalistas e políticos se sentem pressionados - uns pelos tempos, outros pelas ameaças -, todos os processos de comunicação, mesmo os mais insuspeitos, podem configurar um qualquer tipo de pressão.
Se é certo que todos os jornalistas sabem que as pressões sobre a divulgação das notícias são comuns, também não é menos verdade que não se pode deixar de colocar a questão da legitimidade de quem exerce essas mesmas pressões. O Código Deontológico admite a possibilidade de se violar a privacidade de pessoas quando está em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. Assim como não é expectável que o jornalista seja complacente com um ministro das Finanças que foge aos impostos, não se vê que outro possa ser o procedimento com um ministro adjunto dos Assuntos Parlamentares que tutela a pasta da Comunicação Social e que pressiona os jornalistas, ainda que, aparentemente, apenas no tom e não na letra.
Faz ainda parte das obrigações do jornalista denunciar as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. Nesse sentido, todo este processo configura uma dupla questão ética e deontológica. A primeira delas prende-se com os comprovados excessos do ministro adjunto, Miguel Relvas, que o levaram a fazer um pedido de desculpas à editora de política e à direcção do PÚBLICO. A segunda relaciona-se com as razões e os cuidados da direcção do PÚBLICO em preservar o princípio "de não fazer denúncias públicas das pressões que são feitas", mesmo considerando-as "inadmissíveis" e contrariando os princípios deontológicos a que também está obrigada.
Neste contexto, é de sublinhar o papel, reconhecido pela própria ERC, que o conselho de redacção do PÚBLICO teve na denúncia deste caso, mostrando claramente o papel que a auto-regulação tem na preservação dos princípios da liberdade de expressão e de imprensa.
Docente de Ética e Deontologia do Jornalismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra