Joana Vasconcelos Quem tem medo da artista colorida e bem sucedida?
Joana Vasconcelos representante portuguesa na Bienal de Veneza? Sabia-se que, a acontecer, a polémica estalaria. Dois críticos de artes plásticas do PÚBLICO expõem argumentos a favor e contra a escolha anunciada sábado pela Secretaria de Estado da Cultura
Há dois anos, dizia-se que Joana Vasconcelos estava em primeiro lugar nas altas instâncias do Ministério da Cultura para representar Portugal na Bienal de Veneza. Quando cabe escolher um artista e um comissário para a mais importante instituição de consagração de artistas plásticos a nível internacional, os boatos voam, nunca se sabendo se são verdadeiros ou falsos. Contou-se depois que o "meio das artes" se tinha oposto, conseguindo que fosse substituída pela dupla João Maria Gusmão e Pedro Paiva, que honradamente e com bom gosto defenderam as cores pátrias. Este ano, as coisas foram diferentes.
Daqui a um ano, Joana Vasconcelos vai ser o rosto de Portugal na 55ª Bienal de Veneza. Se, como tem sucedido nos últimos tempos, se procurou encontrar um nome suficientemente reconhecido na cena internacional e com uma obra de impacto certo, é a melhor escolha. É necessário considerar o que têm sido as obras que representam a arte portuguesa nas últimas edições da bienal: quer Julião Sarmento, Jorge Molder, Pedro Cabrita Reis, João Penalva, Ângela Ferreira ou mesmo a dupla Gusmão/Paiva, todos se distinguem pela sobriedade, a complexidade dos conceitos tratados, o comedimento nos resultados e, porque não dizê-lo, uma tonalidade geral que tudo unifica. Há tempos, um curador dizia-me que, olhando para as representações portuguesas a Veneza dos últimos 20 anos, a arte era sempre "preta e branca". A consequência lógica é uma certa ideia de arte oficial, longínqua herdeira das abstracções modernistas, mesmo quando possui um pendor narrativo evidente, como é o caso em Jorge Molder ou Gusmão/Paiva.
Nada disto sucede na obra de Joana Vasconcelos. Ela própria é excessiva de mais, operática de mais. Tudo o que faz é grande, desmedido, colorido, feminino, visualmente forte. As comparações não se fazem aqui com a escultura e a pintura aprendidas na escola, mas com a publicidade, as feiras populares, os festivais de rock. E tudo isso é hoje aceite, mesmo quando arrepia cabelos e provoca sobrancelhas franzidas. Por isso está longe de se encaixar nas ideias feitas sobre o que é a arte, sobretudo quando vem não dos que a fazem, mas dos que a encomendam, dirigem, organizam, decidem, mandam.
E Joana Vasconcelos acabou por se impor. Longe vão os tempos em que o actual director do Museu de Serralves, João Fernandes, que sempre teve talento para estas coisas, a descobriu, depois de um curso de joalharia no Ar.Co, e a convidou para a exposição de talentos emergentes Mais Tempo, Menos História (1996). A partir daí, a artista demonstrou talento sem igual para se apropriar dos materiais mais diversos e, recorrendo à metáfora como princípio operativo, fabricar peças plasticamente identificáveis e eficazes. Collants de cor, cadeiras de escritório, gravatas, tampões higiénicos, blisters de comprimidos, almofadas de tricot, azulejos, anões de jardim, garfos de plástico, naperons, panelas, garrafas, porta-garrafas, ferro forjado, animais de cerâmica e cabeleiras postiças, tudo é matéria-prima para uma escultura que se ri das normas - volume, consistência, textura - e que se faz com o maior dos à-vontades arte pronta a consumir, a perceber - mas nunca, cada vez menos, a levar para casa.
Joana Vasconcelos recorda, e muito, Andy Warhol. É preciso vê-la na inauguração de uma exposição, usando um mais do que improvável casaco feito dos mesmos floreados de tricot com que enche almofadas e travesseiros. Tal como Warhol, sabe que o marketing da arte é hoje tão importante como a obra, e rodeia-se, não do beautiful people que Warhol gostava de ver na sua Factory, mas dos patrocinadores e coleccionadores que a apreciam e compreendem. Nestes, avulta o nome de Joe Berardo, que tal como ela é um outsider no meio, mas poderoso de mais para ser ignorado - como ela, alguém que precisou do reconhecimento internacional antes de o conseguir no seu país.
Há uns anos, quando deixou de trabalhar com galerias portuguesas, a artista contou-me que a certa altura tinha sentido a necessidade de pensar em termos globais, e que não via sentido em continuar a apostar numa galeria de cá. Pode-se dizer que o tempo lhe deu razão. Este é o seu grande momento.