Nunes da Silva sobre PPP: transferência do risco para o Estado é uma "das maiores vigarices"

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Estudos de tráfego são feitos por gabinetes que respondem ao que pede

“A passagem do risco do tráfego para o ente público em troca da disponibilidade é uma das maiores vigarices que eu já vi na minha vida”, afirmou o professor universitário e vereador da Câmara Municipal de Lisboa, que está a ser ouvido na comissão de inquérito às parcerias público-privadas (PPP) rodoviárias e ferroviárias.

A remuneração das concessionárias em função da disponibilidade, em vez do critério baseado no tráfego, é uma transformação que foi concretizada, a título de exemplo, nas renegociações das antigas SCUT (vias sem custos para o utilizador) aquando da introdução de portagens.

Com esta alteração, o risco de tráfego passa para o concedente, que passa a pagar o volume de tráfego previsto no cenário base inicial – que, na maioria das vezes, é superior ao tráfego real – na forma de pagamentos por disponibilidade da infraestrutura.

Fernando Nunes da Silva disse, em resposta ao deputado do CDS-PP Hélder Amaral, que, nos últimos anos, “as PPP foram transformadas na maior transferência de dinheiro público para a banca, através de um intermediário que são as empresas de obras públicas”.

Fernando Nunes da Silva criticou ainda a forma como são feitos os estudos de tráfego, afirmando que são contratados “gabinetes de estudos que se sabia, à partida, que respondiam àquilo que era pedido”.

O professor do Instituto Superior Técnico (IST) afirmou mesmo que “há estudos de tráfego que são encomendados depois de a decisão estar tomada” e condenou a definição de limites para a realização de estudos.

A este propósito deu como exemplo o despacho do antigo ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações Mário Lino que atribuiu ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) a missão de estudar as alternativas para a localização da terceira travessia do Tejo, um projeto atualmente suspenso.

“É evidente que quando [o antigo ministro] diz ao LNEC exatamente os termos do que deve estudar, deixando de fora qualquer tipo de comparação possível”, limita o âmbito da análise, afirmou Nunes da Silva, sublinhando a importância de o “ente público ter vontade de conhecer a realidade”.

O professor universitário rejeitou, no entanto, que as PPP tenham “em si próprias um pecado mortal, original”, desde que seja cumprido um conjunto de pressupostos, que inclui a “boa-fé nas negociações” e a comparação com a solução em que o Estado é o contratante da obra pública.

“Como em qualquer contrato, [nas PPP] é preciso saber se ambas as pessoas estão de boa-fé e tem de haver honestidade política”, defendeu, acrescentando que, “muitas vezes, nem é preciso ter uma grande capacidade técnica, basta apenas não roubar e não deixar roubar”.