Egipto: escolher entre um islamista, o regresso ao passado ou o início de mais uma revolução

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O marechal Hussein Tantawi, chefe do Conselho Supremo das Forças Armadas, substituiu Hosni Mubarak no poder Foto: Ahmed Jadallah/ Reuters (arquivo)

Há três semanas e meia, muitos egípcios acreditavam ter diante de si um mundo de possibilidades. O futuro que levara milhões a sair à rua no início do ano passado; o futuro que, nos últimos 16 meses, levou milhares de novo à rua, muitas vezes. Hoje, primeiro de dois dias da segunda volta das presidenciais, os egípcios sabem que só podem escolher entre o regresso à ditadura militar e o islamismo moderado. Pior: temem que a escolha já esteja feita.

Nos boletins de voto aparecem os nomes de Mohamed Morsi, presidente do Partido Justiça e Liberdade (fundado pela Irmandade Muçulmana em 2011); e de Ahmed Shafiq, o último primeiro-ministro do ditador, seu antigo ministro da Aviação e o candidato dos militares, no poder desde a saída de cena de Hosni Mubarak, a 14 de Fevereiro de 2001.

Depois, há tudo o que não está escrito nos boletins. Por exemplo, as decisões anunciadas na quinta-feira pelo Supremo Tribunal, ordenando a dissolução do Parlamento eleito em Dezembro e legitimando a candidatura de Shafiq (declarando inconstitucional uma lei entretanto aprovada pelos deputados que afastava da função pública altos responsáveis da ditadura).

"Golpe de Estado", gritaram os islamistas e muitos políticos saídos do movimento revolucionário. "Isto devolve-nos a 24 de Janeiro de 2011, véspera da revolução contra Mubarak", escreveu em editorial o jornal independente Al-Shourouk. O diário Al-Tahrir descreveu as decisões do Supremo como "golpe de Estado jurídico". Não é exagero.

De regresso à casa de partida, o que os egípcios se preparam para fazer, no melhor dos cenários (que é o das eleições serem livres), é escolher um Presidente sem uma Constituição já redigida que defina os seus poderes e as suas responsabilidades e sem um Parlamento com o qual partilhar esse poder. É como "eleger um "imperador" com mais poder do que o ditador deposto, um travesti", escreveu num comentário online Mohamed ElBaradei, o diplomata Prémio Nobel da Paz que esteve na oposição a Mubarak, chegou a anunciar a sua candidatura às presidenciais e depois recuou, por não confiar no processo nem nos militares.

Se as eleições forem livres, tanto pode ganhar Morsi como Shafiq. O primeiro teve 24,7% dos votos na primeira volta, a 23 e 24 de Maio; o segundo 23,6. Pelo caminho, ficaram onze candidatos, incluindo islamistas que não se revêem na poderosa confraria islamista, único movimento de contrapoder à ditadura. Ficaram também candidatos de esquerda e liberais laicos. Passaram à disputa final os que mais dividem o Egipto - e os que os generais quiseram que passassem.

Desde o derrube da monarquia, em 1952, todos os presidentes egípcios saíram do Exército. "Eles não vão desistir do poder que acumularam. Não é só político, têm um império económico a proteger", disse recentemente ao PÚBLICO Ahmad Ibrahim, activista do movimento No Military Trials (pelo menos 12 mil civis foram acusados em tribunais militares desde o ano passado).

"Adoro as Forças Armadas"

Não há dúvidas sobre qual dos dois candidatos serve melhor os interesses dos generais. E mesmo que Morsi seja eleito, é completamente diferente chegar à chefia de Estado com um Parlamento dominado pelos islamistas, como o que o Supremo acaba de mandar dissolver, do que sem Parlamento nenhum.

Receando que muitos egípcios desistam de ir às urnas, Morsi, o candidato "suplente" da Irmandade, esforçou-se nos últimos dias por fazer declarações apaziguadoras. "Eu adoro as Forças Armadas", afirmou o burocrata de 60 anos numa entrevista à televisão egípcia Dream 2. "Basta a nossa vontade para conseguirmos impedir o regresso ao poder do antigo regime criminoso", assegurou, sem deixar de avisar que "a revolução continua" e de defender que "o Parlamento não foi nem será dissolvido". Os islamistas argumentam que a Constituição em vigor não dá à justiça legitimidade para tomar esta decisão; os juristas estão divididos.

Shafiq continua a repetir a mensagem da primeira volta, oferecendo segurança e estabilidade, estabilidade e segurança. Horas depois da decisão do Supremo, numa conferência de imprensa que a Al-Jazira descreveu como "triunfante", festejou a confirmação de que pode continuar na corrida. "A mensagem deste veredicto histórico é que a era do ajuste político acabou."

O discurso, num hotel do Cairo, soou a "comício de vitória", escreveu o New York Times. "Prometo confrontar o caos e restaurar a estabilidade", afirmou o general de 70 anos, por entre gritos de "Adoramos-te Presidente" dos seus apoiantes.

Antes ainda da decisão do Supremo, Khairat El-Shater (a primeira escolha da Irmandade, cuja candidatura foi excluída pela Comissão Eleitoral) resumia o que está em jogo nas eleições: "no Egipto, a transição para a nova ordem pode acontecer da maneira fácil ou da maneira difícil", citou David Ignatius. Os egípcios "não vão aceitar Shafiq como Presidente", assegurou o principal estratego da Irmandade, ouvido pelo colunista do Washington Post.

Se Shafiq vencer, concorda o activista Abdel Halim H. Abdallah, "os egípcios vão voltar à Tahrir" e, desta vez, tudo pode acontecer, incluindo "graves confrontos com o Exército". "A próxima revolução pode ser mais violenta" do que a que derrubou Mubarak, antecipa El-Shater. "Pode ser difícil controlar as ruas... Alguns partidos podem recorrer a mais violência e ao extremismo. Quando as pessoas descobrem que a porta para a mudança pacífica está fechada é um convite à violência."

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