Brad Mehldau, um piano afinado para o presente
O pianista norte-americano inicia hoje, em Faro, uma pequena série de três concertos a solo em Portugal
Não haverá na actualidade outro pianista mais importante na linha sucessória de Keith Jarrett. O que não é coisa pouca. Jarrett será a maior referência do piano jazz em actividade e construiu a sua carreira numa alternância entre o trio clássico (com contrabaixo e bateria) e o piano solo. De forma semelhante, Mehldau iniciou a sua longa série The Art of the Trio em 1997 - primeiro com Larry Grenadier e Jorge Rossy, agora com Grenadier e Jeff Ballard - e foi com esta formação que se notabilizou e lançou o seu último registo, Ode. Em Portugal, no entanto, a sua mini-digressão será a solo: hoje no Teatro das Figuras, em Faro; amanhã no Teatro Avenida, em Castelo Branco; e sexta-feira, no CCB, em Lisboa.
Parte da sua popularidade e da facilidade de galgar fronteiras entre públicos deve-se a um percurso que, partindo do jazz, de uma linguagem de lirismo complexa assente em riquíssimos recursos de improvisação, consegue atrair canções pop/rock e integrá-las nesse contexto.
Tudo terá começado com os tempos em que Mehldau viveu em Los Angeles e frequentou o bar Largo, poiso para muitos dos singer/songwriters da terra e onde conheceu o produtor Jon Brion (conhecido pelo seu trabalho com Aimee Mann ou Fiona Apple). Foi aí que contactou com a música de Nick Drake e Radiohead, numa altura em que a audição obsessiva de discos de jazz o levara à saturação, começando então a construir um reportório capaz de juntar The Beatles, Paul Simon ou Soundgarden às suas criações e às de Coltrane ou Jelly Roll Morton. De certa forma, e comparando novamente com Jarrett, se este insistiu num trio dedicado aos standards, Mehldau pegou nesse legado, mas dedicou-se a cartografar e adicionar novos standards.
Esta via, pouco comum até então, abriu as portas para que hoje o jazz não rejeite o cancioneiro pop-rock e o visite frequentemente. A versatilidade de Mehldau permitiu-lhe ainda cruzar-se com o universo da música clássica, ao gravar com a soprano Renée Fleming (Love Sublime) e com a mezzo-soprano Anne Sofie von Otter (Love Songs). A solo, de resto, diz pensar em cada actuação como se de uma sinfonia com vários andamentos ou de uma sonata se tratasse. Depois, a liberdade conduz-lhe a narrativa. Habitualmente, metade das ideias com que sobe a palco vão sendo eliminadas pelos caminhos que o piano dita na altura. Só nunca sabe quais.