Violência entre budistas e muçulmanos lança preocupações sobre transição política na Birmânia

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Violência provocou sete mortos

Presidente Thein Sein teme que "vingança e anarquia" se espalhem. Suu Kyi vai finalmente agradecer Nobel

Confrontos entre budistas e muçulmanos prosseguiam ontem em Rakhine, no Oeste da Birmânia, apesar do estado de emergência decretado pelo Governo para tentar travar a violência que, desde sexta-feira, provocou pelo menos sete mortos, 17 feridos e a destruição de 500 casas - números da imprensa oficial.

A violência dos últimos dias lança preocupações sobre a transição política birmanesa, iniciada no ano passado após meio século de regime militar. Um efeito da abertura é uma viagem de 15 dias à Europa que Aung San Suu Kyi, a histórica líder oposicionista, ontem iniciou. No sábado está previsto que faça em Oslo o discurso de agradecimento pelo Nobel da Paz que lhe foi atribuído há 21 anos.

Um jornalista da AFP viu ontem residentes dos arredores de Sittwe, a capital de Rakhine, incendiarem edifícios. Numa localidade do estado - antes conhecido como Akyab, e cuja actual designação se deve aos rakhine, um grupo minoritário budista - habitantes armados com facas e bastões patrulhavam ruas.

As Nações Unidas ordenaram no domingo a retirada "temporária" de cerca de 40 funcionários e das suas famílias da região. Numa intervenção televisiva, o Presidente Thein Sein manifestou o receio de a "vingança e anarquia" se espalharem para lá dos limites de Rakhine, que faz fronteira com o Bangladesh. A violência eclodiu em Maungdaw, cidade habitada principalmente pela minoria muçulmana rohingya, e alastrou depois a Sittwe e a localidades próximas. O rastilho para os confrontos terá sido a violação de uma mulher rakhine, seguida do linchamento de dez muçulmanos, por uma multidão, há uma semana.

O estado tem uma população maioritariamente rakhine mas acolhe também muçulmanos originários da Índia e do Bangladesh, além dos rohingyas - minoria apátrida calculada em 800 mil pessoas em Rakhine. Considerada pelas Nações Unidas como uma das minorias mais perseguidas do mundo, não é reconhecida pelas autoridades birmanesas, que vêem os rohingyas como imigrantes ilegais oriundos do Bangladesh. Os muçulmanos de Rakhine são, assinala a AFP, referidos pelo discurso dominante como um todo apresentado como estrangeiro e perigoso.

As versões sobre o que aconteceu nos últimos dias são contraditórias, e sem possibilidade de confirmação.

"Tentámos resistir, mas as nossas casas e o nosso mosteiro foram incendiados por bengalis. [...] Nunca vi este tipo de violência em 30 anos", disse à AFP Soe Tun, uma rakhine que, como centenas de outros, se refugiou num templo. Rohingyas "foram mortos a tiro por forças de segurança, alguns foram mortos à facada por rakhines", contrapôs Abu Tahay, dirigente de um partido que representa a minoria muçulmana.

Chris Lewa, de uma organização de defesa dos direitos dos rohingyas, disse que os primeiros actos de violência partiram desta minoria, mas que a situação se inverteu.

A guarda fronteiriça do Bangladesh, onde se calcula que vivam 300 mil rohingyas, fez ontem voltar para trás oito embarcações que transportavam mais de 300 rohingyas, maioritariamente mulheres e crianças.

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