The Olivia Tremor Control Esplêndido universo privado
Foram centro de um colectivo de sonhadores, experimentalistas e ingénuos geniais crentes no carácter transformador do psicadelismo. Tocam domingo no Primavera Sound. Por Mário Lopes
Bill Doss estava na sua casa em Athens a beber um copo de vinho. Tinha passado as últimas horas a confirmar voos, a organizar material, a telefonar aos colegas de banda para saber se estava tudo preparado para a viagem do dia seguinte, que o levou ao Primavera Sound de Barcelona, e que o trará, domingo, às 20h30, na Casa da Música, ao do Porto. Bill Doss, vocalista, compositor guitarrista e uma série de coisas mais nos Olivia Tremor Control, está a aproveitar o seu momento de descanso. Bebe um copo de vinho enquanto fala da história fascinante de uma banda que nasceu quando quatro miúdos de uma vilória no sul dos EUA, Ruston, no Louisiana, descobriram que não gostavam assim tanto de fazer desporto, como os colegas de turma, e que partilhavam o mesma tendência obsessiva para falar de música, ouvir música e fazer música em gravadores de 4 pistas. Isso aconteceu há mais duas décadas. Na semana que antecedeu a entrevista, Bill Doss esteve a viver o sonho. Normalmente, o seu quotidiano consiste em trabalhar de dia - não nos diz em quê - e ocupar as noites a gravar ou a ensaiar - tal como fazia quando nasceram os Olivia Tremor Control. Mas a semana passada tirou férias para ensaiar. "A minha vida não é diferente da que fazia no início, mas estes dias têm sido engraçados. Ponho-me a pensar: "Toco música e este é o meu emprego". Estou a viver o sonho. Por uma semana". E depois solta uma gargalhada.
Sonhadores pop
Os Olivia Tremor Control foram, com os Apples In Stereo de Robert Schneider e os Neutral Milk Hotel do eremita Jeff Mangum, que também estará domingo na Casa da Música, o centro de um colectivo de sonhadores pop, experimentalistas sonoros e, genericamente, ingénuos geniais crentes no carácter transformador do psicadelismo aplicada a canção. Chamava-se Elephant 6, nasceu quando Bill, Robert, Jeff e Will-Cullen Hart, co-fundador dos Olivia Tremor Control, acharam que seria interessante dar um ar oficial às gravações que trocavam entre si e que ofereciam aos amigos. "Começámos a pôr o logo nas cassetes com as nossas gravações e anunciávamos: "ei, tenho um álbum novo". À margem de tudo, em colaboração de comuna artística e em regime do it yourself, gravaram música que não deixa de nos fascinar - pela invenção, pela capacidade ser pop como o eram os Beatles e os Zombies e, ao mesmo tempo, sabotagem dessa perfeição com colagens sonoras, cortes inesperados e aplicação às canções da lógica desordenada dos sonhos.Nos primeiros anos do século XXI, a Elephant 6 tornara-se uma rede imensa, agrupando dezenas de bandas que foram ganhando o direito de usar o logótipo. Fazem a sua história nomes como Elf Power, Beulah, Ladybug Transistor ou os por estes tempos bem conhecidos Of Montreal.
Enquanto falamos com Bill Doss, vai-se acentuando uma certeza. Os Olivia Tremor Control estão mais velhos e já não vivem juntos numa comuna desordenada em que cada quarto era um estúdio de gravação. Mas ainda são os mesmos. Não mudaram desde que gravaram Dusk At Cubist Castle (1996) e Black Foliage (1999), dois OVNIS intemporais e imprescindíveis em qualquer colecção de discos reunida por quem goste de se entregar às maravilhas do sonho aplicado à pop. Separaram-se em 2001, quando estavam próximos de se tornar mais que figuras de culto no cenário musical, reuniram-se em 2005 para uma série de concertos aclamados, voltaram a reunir-se depois disso. "Where we are? In the blink of one eye, you get several meanings", cantavam em A peculiar noise called train director, de Black Foliage. A frase é bom resumo da sua atitude criativa.
"Em termos de pensamento, Will [Cullen-Hart] não vê separação entre a música e as artes visuais. Dusk At Cubist Castle é a banda sonora para um filme não realizado. Tentámos fazer música o mais visualmente rica possível, de forma a permitir ao ouvinte mergulhar numa certa visão". Isso implica canções saídas de um White Album em que os Beatles fossem acompanhados por Syd Barrett, implica que as canções se sucedam num fluxo contínuo, sem paragens. Implica que ascendamos a patamares cósmicos com a ajuda de instrumentos bizarros e colagens sonoras ou de drones eléctricos construídos em distorção e theremin. "Alinhamo-nos com o grupo de pintores e realizadores do movimento surrealista. Alinhamo-nos com os criadores do final do século XIX, quando experimentar e descobrir novos prazeres era tudo o que interessava". Alinham-se declaradamente com o psicadelismo dos anos 1960, com a ética do-it-yourself do punk, com o fervor independente dos alternativos da década de 1990. Mas não soam declaradamente como nenhum deles: "Quando era novo o meu sonho era ser uma estrela rock e pertencer aos Beatles ou aos Pink Floyd, mas a partir do momento em que comecei a fazer música, isso começou a ser menos importante". Passou a ser importante isto: "Queríamos criar o nosso pequeno universo privado e gravar música que fosse impossível de categorizar se ouvida daí a cinquenta ou cem anos".
Quando trocaram a vilória de Ruston por Athens, a terra dos R.E.M. ou dos B-52s que atraía músicos, artistas e freaks de toda a espécie, Bill, Will, Jeff e Robert descobriram um paraíso. "Não conseguíamos acreditar na nossa sorte. Tantas bandas, tantos sítios para tocar, tanta arte por todo lado. Uma cidade cheia de hippies". Robert Schneider criou canção pop atrás de canção pop nos Apples In Stereo, enquanto produzia discos dos amigos e gravava com quem lhe pedisse. Jeff Mangum, que fora um dos fundadores dos Olivia Tremor Control, fechou-se no quarto e começou a trabalhar em In An Aeroplane Over The Sea. E Bill e Will, juntamente com músicos como Jonh Fernandes, Eric Harris e Peter Erchick (e todos os outros que eram convocados para tocar um qualquer instrumento), começaram o processo de criação febril de que resultariam Dusk At Cubist Castle, Black Foliage, vários singles e algumas colecções de música ambiental. Pediram que lhes enviassem sonhos por correio: "Esculpíamos em conjunto, um sonho no outro, o nosso sonho colado ao de outra pessoa. Acabavam por se tornar ainda mais estranhos do que eram em separado".
Em 2001, quando já eram banda de acordo com as regras - digressões, agente, editora e por aí fora -, acabaram, zangados uns com os outros, vergados pelo peso da estrutura. Quando os virmos em palco, serão aquilo que os fez nascer. Um grupo de sonhadores obcecados com a magia da pop. Um bando de amigos a mostrar-nos o seu esplêndido pequeno universo privado.