Os haiku de Dalton Trevisan
Quem foi a primeira pessoa a falar-me de Dalton Trevisan? Já não me lembro. Mas sei que comprei o seu único livro publicado em Portugal, Cemitério de Elefantes (ed. Relógio d" Água), depois de ter ido entrevistar o escritor e académico português José Rentes de Carvalho. Ele indicou-me também a leitura de Guerra Conjugal (ed. Record), um livro de "trinta contos, todos curtos, em que todos os homens são João, todas as mulheres, Maria" como está dito no prefácio.
Na altura, não o consegui encontrar, apesar de ter sido adaptado ao cinema por Joaquim Pedro de Andrade. Esta semana encontrei esse e vários outros livros de Dalton Trevisan, nas edições originais brasileiras, à venda na cadeia Book House, com lojas em Lisboa, no Porto e em Gaia e também uma livraria online (http://www.bookhouse.pt/). Este escritor de Curitiba, Prémio Camões 2012, em duas frases faz um conto: "Para ele o rico pastelzinho. Para ela o cheiro de fritura no cabelo." Este quase haiku está no livro Pico na Veia (ed. Record) e mostra bem porque é que a concisão do contista foi destacada pelo júri do prémio. Um conto pode ser quase um poema. "- Fosse você Capitu, querida, e teria o pobre Bentinho jamais desconfiado de Escobar e do outro. Dos outros" (pág. 24 de Pico na Veia, ed. Record) é uma piscadela de olho às personagens de Machado de Assis, outro dos grandes mestres do conto brasileiro. "- Foi o primeiro amor, um amor tão desesperado, quando ela me deixou, ai de mim, só não morri porque, aos 20 anos, você não morre" (pág. 91, Pico na Veia). Uma das minhas preferidas está na obra Ah, É? - Ministórias (ed. Record) que tem ilustrações de Poty."- Tua professora ligou. De castigo, você. "Beijando na boca os meninos." Que feio, meu filho. Não é assim que se faz.
- ...
- Você é gozada, cara.
- ...
- Pensa que elas deixam?" (pág. 30).
A única edição portuguesa de Dalton Trevisan, Cemitério de Elefantes, traz um brinde. O livro publicado nos anos 1980 por Francisco Vale tem um prefácio de Fernando Assis Pacheco, que recomendou o livro ao editor. Sobre Trevisan diz que deu duas ou três entrevistas em toda a sua vida literária. "Numa delas explicou que prosseguia um objectivo invulgar, o de fazer prosa como os japoneses faziam "haikais"." Algo dessa contenção percebe-se já no Cemitério de Elefantes."É curitibana esta gente. Jovens machos em tirocínio de amantes, homens de madureza desiludida, velhos para quem o desejo cai como baba pelo queixo... Gente de solidão e mágoa, palavrosa por necessidade ou finalmente sábia nos meios silêncios."
Logo no início, Pacheco cita Otto Lara Resende: "Ninguém sabe quem é Dalton Trevisan. Deus mesmo não sabe e nem por isso se impacienta." Depois do Prémio Camões 2012, só não sabe quem é Dalton Trevisan quem não quiser saber. Isabel Coutinho