Há um novo espectro a pairar sobre a Europa
É cedo para falar numa nova política económica. Mas já se sente o fim da austeridade punitiva de Merkel
Há um espectro que paira sobre a Europa. Um espectro que aponta para o fim de um ciclo de austeridade punitiva nos países vulneráveis à dívida, ao défice público e aos ataques dos mercados financeiros. Não chegou através de uma revolução, nem teve como arauto um revolucionário obediente a ideologias radicais. Bastou uma eleição democrática na França e a subida ao poder de um político centrista para que, num ápice, a Europa reflectisse a fundo sobre a sua caminhada para o caos e ousasse, ao menos, discutir a possibilidade de alternativas. Na cimeira europeia de hoje, não nos iludamos, não será decretado o final do garrote da austeridade que asfixia a economia e gera o mais dramático surto de desemprego de sempre em Portugal. Nem será aprovada a mutualização das dívidas públicas nacionais nem sequer a concessão ao Banco Central Europeu do estatuto de emprestador de último recurso. Quando muito, serão esboçados os primeiros passos para cumprir uma quase esquecida estratégia da Comissão Europeia, que defendia a canalização para o investimento em projectos públicos de verbas dos fundos estruturais combinados com empréstimos do Banco Europeu de Investimentos. Face à gravidade da recessão na zona euro e à evolução do drama grego à condição de tragédia europeia (como Alexei Tsipras, líder da Coligação da Esquerda Radical, tem lembrado) parece muito pouco. Mas a simples aceitação destes temas numa agenda para um debate franco, como sugeriu o presidente do Conselho Europeu, Van Rompuy, é uma mudança profunda no discurso europeu que vai deixar marcas para o futuro. Ainda que seja cedo para proclamar a vitória de políticas económicas expansionistas na Europa (a dimensão da dívida exige cautelas), pode-se ao menos começar a acreditar que o castigo que Merkel quis impor aos países mais frágeis se afundou nas suas irremediáveis lacunas e contradições.
Na Indonésia, com a crise ao jantar
Dez anos após a independência de Timor-Leste, a visita presidencial de Cavaco Silva à Indonésia carrega um duplo simbolismo. Não só por ser a primeira vez que um Presidente de Portugal ali se desloca (tal como foi a primeira vez que o hino nacional se fez ouvir em território indonésio) mas também por tal visita selar em definitivo a paz e a concórdia iniciadas depois de muito derramamento de sangue. E se Cavaco enalteceu a independência de Timor como um factor de regozijo, os discursos centraram-se depois nos negócios: os que Portugal quer fazer com participação indonésia, e os que a Indonésia poderia fazer com intervenção portuguesa. Se em Timor houve identificação, emoção, recordações do passado, na Indonésia lançaram-se pontes a um futuro que não se avizinha fácil. No jantar oficial de Jacarta, a crise europeia fez-se convidada de última hora, deixando no ar o seu apelo agónico. Veremos com que efeito prático.