O rockuduro à conquista do mundo

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Fernando Veludo/NFactos

Isto não é um concerto de kuduro, mesmo que tenhamos dois vocalistas africanos a dispararem dicas a velocidades proibitivas, ritmos quebrados, repetição favorável ao transe e uma vontade colectiva de dançar e fazer a festa.

Isto não é um concerto de rock, mesmo que se vejam corpos a voar e em headbanging furioso, o chão esteja escorregadio (não é cerveja, antes uma pegajosa mistura de bebida energética e champanhe) e haja uma guitarra aos guinchos e uma bateria truculenta.

Isto é rockuduro, isto é Throes + The Shine a pôr o Plano B, no Porto, a ferver. Apresentações: Diron, metido nuns minúsculos calções de ganga (de miúda?), tronco nu e óculos de sol, é vocalista e o agitador-mor, rapaz hiperactivo que tanto está a abrir uma garrafa de champanhe para brindar ao primeiro disco do grupo, a distribuir bebidas energéticas pelo povo ou em manobras de crowdsurfing; André do Poster é o outro vocalista, mais vestido e mais contido, mas igualmente com óculos de sol e ar de puto cool; Marco Castro é o guitarrista e teclista; e Igor Domingues é o baterista, motor deste caos.

Se o termo que inventaram, rockuduro, é literal o suficiente, funcionando como carta de intenções explícita (é o título do álbum de estreia de Throes + The Shine), o nome da banda não é menos evidente. Diron e André formam os The Shine, aves raras no Porto (fazem kuduro), Marco e Igor são os Throes, malta habituada a mosh pits, riffs de guitarras brutais e matemáticos, influenciados pelo pós-hardcore. Juntos são uma coisa nova: Throes + The Shine.

Como é que gente do kuduro se mete com dois tipos do rock? É preciso recuar a Novembro de 2010, mas não precisamos de sair do Plano B. Foi neste bar, num mini-festival (com um belo nome: Festival Náice) organizado pela promotora e editora Lovers & Lollypops, mãe do festival Milhões de Festa, que os The Shine e os Throes partilharam um cartaz pela primeira vez. Durante o concerto dos Throes, fez-se luz na cabeça dos The Shine. "Achámos engraçado o jeito da bateria. Tentei fazer um freestyle e pensei: ‘fogo, acho que encaixava nesta música", conta André do Poster ao Ípsilon antes do concerto no Plano B, na última sexta-feira.

Já tinha passado pela cabeça dos The Shine fazer algo com elementos rock. A inexistência de um circuito kuduro no Porto ajudou, já que os obriga a tocar frequentemente em contextos mais dados às guitarras. "Há algumas casas que passam kuduro, kizomba, house electrónico misturado com kuduro. Nós damos lá alguns concertos, mas queremos é crescer. Tocar em qualquer lado, não interessa se é metal, se é rock", diz Diron. Objectivo confesso: "Ir pelo mundo fora".

Diron lembra-se de participarem num concurso de bandas em Santo Tirso. Todas as bandas, excepto uma de hip-hop e os The Shine, tocavam rock ou metal. Não ganharam, mas conquistaram o povo: "Fomos o grupo que mais mexeu com o público; curtiu imenso, dançou imenso".

O produtor Ademar, com quem trabalham, "tinha feito um hip-hop com guitarra de rock", conta Diron. "Dissemos que queríamos fazer aquela música. Ele disse que não, que éramos uma banda de kuduro. Pedimos um instrumental de kuduro com guitarras de rock", acrescenta. A proposta não teve retorno.

Mas os The Shine não precisavam de procurar mais: nos Throes tinham encontrado a metade necessária para meter o rock no kuduro. Convidaram-nos para uma colaboração. Depois, os acontecimentos precipitaram-se. Os Throes foram convidados pelo site especializado em música Bodyspace para um vídeo e levaram os The Shine com eles. As reacções entusiasmaram-nos e, pouco depois, ei-los no Milhões de Festa, em Barcelos, no Verão passado. "Desde aí, temos funcionado como uma banda", diz Igor.

Iron Maiden e kuduro

André, rapaz de 20 anos, no Porto há quatro, conheceu Diron "numa cena de futebol", isto é, em peladinhas com amigos. Ficou a saber que ele cantava hip-hop. Diron: "Já canto desde puto. Comecei a cantar quanto tinha 14 anos, para aí". Diron ia fazer um disco em Angola, mas esse projecto ficou suspenso quando veio para o Porto para estudar.

André, também angolano, nunca tinha cantado. Era conhecido por "dançarino". Em criança, "dançava Michael Jackson". Depois, "veio a febre do kuduro" e começou também a dançá-lo. Foi Diron (não diz a idade: "vou vender a uma revista", diz, antes de soltar um riso infantil) que o pôs a cantar. Poucos meses depois da chegada de André, os dois fizeram os The Shine, que garantem ser "o primeiro grupo de kuduro do Norte". "Fizemos o Dança e balança [single com produção de DJ Ademar], que, até agora, o people curte. Pronto, é tudo", resume Diron (fizeram outros singles, entretanto). E solta outro riso de criança.

Igor Domingues e Marco Castro, também na casa dos 20 anos, conheceram-se na escola secundária. Kuduro? Igor queria era metal e "ia a concertos de Iron Maiden", conta Marco. "Provavelmente se me dissessem que ia tocar numa banda de kuduro ou algo parecido ia pensar que era gozo. A cena porreira é mesmo essa: não ter limites, fazermos o que nos apetece", diz Igor. Diron brinca: Iron Maiden com kuduro era capaz de funcionar, atira. "Os primeiros kuduros da segunda geração eram o equivalente ao metal. É o Tá vir [de Puto Prata], o Comboio [d'Os Lambas], era mais hard. A maneira como os vocalistas cantavam era muito mais hard. O Bruno King, por exemplo".

Para fazer Rockuduro, os Throes e os Shine meteram-se nos Estúdios Sá da Bandeira, no Porto, durante oito dias - uma eternidade para Marco Castro. "O único EP de Throes [Dirty Glitter, lançado em 2010] foi feito numa tarde. Botswana [a outra banda de Igor e Marco] gravaram um EP em dois dias. Este foi um ritmo mais apaziguado para nós", conta.

Quiseram que Rockuduro não se esgotasse no título. "No rockuduro o BPM [batidas por minuto] certo não é 140, como no kuduro normal, pode ser 140 ou 150, mas pode baixar muito mais. Tentamos ser versáteis. Focamo-nos sempre no rockuduro, mas tentamos fazer coisas diferentes", explica André do Poster.

Agora, o caminho é tocar ao vivo. No dia 3 de Junho, aparecem no Serralves em Festa, dia 20 de Julho voltam ao Milhões de Festa. Diron deixa o aviso: "O público pode esperar pela festa. Querendo ou não, vai acontecer".

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