Vitória-surpresa de Nikolic baralha formação de governo na Sérvia

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O próprio Nikolic não conseguiu disfarçar a surpresa de se saber vencedor das presidenciais MARKO DJURICA/reuters

Sondagens apontavam para a reeleição do Presidente Boris Tadic, mas os sérvios preferiram o líder nacionalista. Também quiseram dividir o poder, até agora concentrado no Partido Democrático

O candidato nacionalista Tomislav Nikolic arrancou uma surpreendente vitória na segunda volta das eleições presidenciais da Sérvia, derrotando o Presidente candidato à reeleição Boris Tadic (49% contra 47%) e deixando o Partido Democrático, que dominou a política do país desde a queda de Slobodan Milosevic no ano 2000, numa posição delicada para formar governo.

O resultado foi de tal maneira inesperado que nem o próprio Nikolic conseguiu disfarçar o choque e surpresa quando as projecções divulgadas pelas televisões o apresentaram como o vencedor. "Este é um ponto de viragem para a Sérvia", declarou, ressalvando que "a eleição não foi um referendo sobre quem vai ou não conduzir o país na direcção da União Europeia, mas sim de quem vai resolver os problemas económicos criados por Boris Tadic e o Partido Democrático".

Segundo explicou ao PÚBLICO Bojana Barlovac, correspondente da Sérvia do Balkan Insight, um site de notícias, comentário e análise produzido pela Balkan Investigative Reporting Network (BIRN), o resultado deve ser interpretado mais como um castigo aplicado pelo eleitorado a Tadic do que como uma esmagadora manifestação de apoio a Nikolic ou de adesão à sua plataforma política. "As pessoas sabem que o Presidente da República é uma figura de representação do Estado e não tem assim tanto poder", diz.

"Foi um banho de realidade para o Partido Democrático e especialmente para Boris Tadic, que detinha todo o poder na Sérvia. Ele era o chefe do partido maioritário no Parlamento e toda a gente sabia que ele era efectivamente o primeiro-ministro", observou, explicando que através do voto os sérvios quiseram dividir o poder. O problema, prossegue Bojana Barlovac, é que a única alternativa era Tomislav Nikolic, um político que no passado se apresentou como "anti-NATO, anti-União Europeia e favorável a uma intervenção armada no Kosovo em nome da Grande Sérvia dos anos 90, e agora proclama ser um nacionalista moderado".

Para a jornalista, a campanha eleitoral não permitiu esclarecer a dúvida: "Mudou assim de repente? Podemos confiar?"

E as posições radicais de Nikolic nem sequer foram muito debatidas durante as duas semanas de campanha antes da segunda volta. "A União Europeia e o Kosovo foram determinantes nas últimas eleições, mas desta vez o mais importante foi a taxa de desemprego de 24%, a inflação e a deterioração da qualidade de vida, com Nikolic a atacar a performance económica e a corrupção do Governo e Tadic a justificar que a Sérvia foi afectada por uma recessão mundial", afirmou Bojana Barlovac, lamentando que nenhum dos dois tenha apresentado soluções concretas para resolver a crise para além da "necessidade de atrair investimento estrangeiro".

O que é certo é que a viragem política de domingo na Sérvia, com a eleição de Nikolic - que foi uma das figuras de topo do ultranacionalista Partido Radical de Vojislav Sesejl (actualmente arguido por crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional, na Haia), do qual se desvinculou em 2008 para fundar o seu próprio Partido Progressista -, terá implicações imediatas nas negociações para a constituição de um novo governo de coligação.

O resultado das eleições parlamentares de 6 de Maio apontava para a renovação da parceria entre o Partido Democrático de Tadic e o Partido Socialista da Sérvia, o terceiro mais votado e o único partido que aumentou substancialmente a sua representação parlamentar. Mas ontem o líder dos socialistas, Ivica Dacic, reconhecia que depois da vitória de Nikolic "as coisas ficaram mais complicadas".

Segundo a Constituição, Tomislav Nikolic terá que oferecer um mandato para formar governo ao partido mais votado nas legislativas - o seu próprio Partido Progressista, que conquistou 73 lugares no Parlamento. No entanto, sem maioria parlamentar, será precisa uma coligação para constituir governo, e antes das presidenciais, era claro que os progressistas não tinham apoios suficientes.

Um acordo de princípio entre o Partido Democrático (com 67 lugares) e os socialistas (que dispõem de 44 assentos) para a renovação da anterior aliança foi estabelecido no pressuposto de que Tadic seria reeleito para a presidência na segunda volta. "É verdade que democratas e socialistas estabeleceram uma boa colaboração no anterior executivo, e ambos estavam disponíveis para prosseguir. Não me parece muito plausível que os socialistas venham agora mudar de ideias e formar governo com os progressistas, mas não se pode dizer que não exista essa hipótese", refere Bojana Barlovac.

Outras complicações

Também Tim Judah, correspondente do The Times e da revista The Economist e autor de vários livros sobre a Sérvia e os Balcãs, considera que é mais provável a reedição da coligação de democratas e socialistas do que o estabelecimento de um novo executivo liderado pelos progressistas. Dragan Djilas, o presidente da Câmara de Belgrado, que foi confortavelmente reeleito há duas semanas e é um dos políticos mais populares do país, poderá vir a ser indicado pelo Partido Democrático para o cargo de primeiro-ministro.

Mas a formação do governo não será a única "complicação" decorrente da eleição de Nikolic. Observadores políticos europeus e norte-americanos enunciavam ontem uma série de outras questões que ficam em aberto, apontando, por exemplo, a possibilidade de o processo para a adesão da Sérvia à UE poder conhecer novos obstáculos e para um previsível desvio do eixo político da Europa e Estados Unidos para a Rússia. "Não é por acaso que no seu primeiro discurso depois de eleito Nikolic falou logo em visitar a Rússia e desvalorizou as viagens na região, dizendo, por exemplo, que uma ida à Croácia não estava na sua lista", assinala Barlovac.

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